quarta-feira, 1 de julho de 2009

MICHAEL JACKSON, JACKO by Marco Angeli


Desenhei Michael Jackson muitas vezes.
Para falar a verdade nunca fui fã de sua música, com
uma ou outra exceção, durante todos esses anos.
Sempre curti mais o Prince, por exemplo, que assumiu sua
própria feiúra e musicalidade -nem sempre comercial- e vivia
se espetando com Michael.
Mas Jacko foi um pop star, o maior deles, e sua influência é
inegável, um fenômeno incrível, e irônicamente mais visível
hoje do que nunca, dias após sua morte.


Fiz este lay out para a Laserland em 2008, mas acabamos
substítuindo a imagem por outro artista no final.
Nunca pintei esta tela.


Michael Jackson morre aos 50 anos, prematuramente,
e seu desaparecimento, como tudo o mais em sua vida,
desde garoto, se transforma numa espantosa performance
de mídia mundial, que resgata o superastro.
Mas e Jacko?
Na quinta feira à tarde quando ainda não se sabia com
certeza se a notícia dada pelo site TMZ sobre sua morte era
verdadeira, uma velha pergunta, de muitos anos,
voltou a martelar na minha cabeça:
Quem era Jacko, afinal?
Não o superstar, o ídolo pop, mas o ser humano.
Resposta difícil, impossível até, essa de definir um personagem
ambíguo em sua própria essência como ele.
Como disse Lizia Bydlowski na matéria
O Avesso do Avesso, da Veja, Michael não era preto nem
branco, nem homem nem mulher, nem adulto nem
criança. Ou tudo isso junto.
Maltratado quando criança, Jacko foi submetido
à obssessão desenfreada do pai pelo sucesso que
eventualmente conseguiria através dos filhos.
Ele os treinava e treinava numa rotina dura e incansável,
e assim Jacko perdeu sua infância.



Controverso, Michael talvez e provávelmente tenha sido
vítima do próprio personagem que foi criando para si mesmo,
sem jamais ter tido uma vida normal.
Sabe-se que era um gastador compulsivo, capaz de torrar
6 milhões de dólares numa única tarde num antiquário, o que o
levou fatalmente à acumular dívidas gigantescas principalmente
à partir de 1993, com o início do declínio de sua carreira,
provocado pelas acusações de pedofilia.
Hoje isso tem uma consequência curiosa: a avaliação de todos
os seus bens -na maioria imóveis, entre eles o abandonado
Neverland- tem práticamente o mesmo valor de suas dívidas,
cerca de 500 mílhões de dólares.
Mundialmente reconhecido e rico graças á esse reconhecimento
mundial, à exemplo da renda do álbum Thriller, do início dos anos 80,
que foi o disco mais vendido do mundo, seria de se esperar que
ele, como ser humano, retribuísse esse sucesso todo. Muitos, como
Angelina Jolie com as crianças, ou Brigitte Bardot, com os
animais, o fazem ou fizeram, cada um à seu modo.



E Jacko fez.
Doou milhóes de dólares para entidades beneficientes através de
sua segunda turnê, a Dangerous World Tour, vista no mundo todo
por 3,5 milhões de pessoas.
Gravou compactos destinados exclusivamente à caridade, e
manteve ou ajudou na manutenção de 39 centros beneficientes.
Em 1985, se uniu a Lionel Ritchie e Quincy Jones para arrecadar
fundos para a campanha USA for Africa.
Lionel compôs a melodia de We Are The World no piano
e Jacko escreveu sua letra num único dia.
A canção, conhecida por todos nós, deu a ele dois Grammys,
e arrecadou 200 milhões de dólares para a luta contra a
fome na Etiópia.
Mas a solidariedade de Jacko não era conhecida apenas na
realização de grandes eventos.
Vasculhando-se aqui e ali, na net, acaba-se descobrindo
outro Jacko, que estranhamente é quase que ignorado pela
mídia, inclusive hoje, logo após sua morte.
Em 9 de abril de 1984, por exemplo, Jacko convida David Smithee,
um garoto de 14 anos que sofria de fibriose cística, para visitá-lo
em sua casa. Conhecer Michael Jackson era o sonho do
menino, que morreu 7 semanas depois.



Em 28 de fevereiro de 1986, ele convida a menina Donna Ashlock,
de 14 anos, que havia passado por um transplante de coração,
para visitá-lo em sua casa assim que melhorasse, o que
efetivamente aconteceu em 8 de março.
E por aí vai. A história de Jacko é recheada de visitas à crianças
com doenças terminais em hospitais, e à generosas doações
à entidades beneficientes voltadas principalmente à
crianças com deficiências mentais.
Importante notar que a maior parte dessas ações aconteceram
antes de 1993, quando surgiu a primeira acusação
contra ele por pedofilia. Se tivessem acontecido depois,
fatalmente seriam vistas com desconfiança, como uma
campanha inescrupulosa de marketing visando a 'limpeza'
da imagem de Michael Jackson.
Dizem alguns que Jacko foi um dos maiores doadores do mundo,
visando causas humanitárias.
Verdade ou não, o fato é que Jacko foi, além de um
superastro, o espelho de uma era, o espelho
de uma geração inteira.
Jacko expôs à luz da mídia as incertezas de nossa época.
O medo da morte, o medo da velhice, a busca da beleza ideal,
obssessivamente enfiada à força na cabeça das pessoas pela
mídia e pela publicidade, a busca pelo sucesso
à qualquer custo, a ambiguidade sexual.



Jacko fez suas próprias leis e assim mostrou cruamente
o que era escondido, porque podia.
Irônica e paradoxalmente, a própria mídia se encarregou,
durante esses anos todos, de mostrar passo a passo
o preço pago por ele por isso tudo.
Se, e apenas se...aos cinco anos um menino comum
não tivesse sido treinado como 'um animal de circo' pelo
próprio pai -como Jacko mesmo declarou- obcecado pelo
sucesso à custa da própria felicidade dos filhos,
a história seria diferente.
Não estaríamos todos hoje escrevendo sobre Jacko, talvez.
O superstar não existiria, talvez.
Existiria apenas Michael Jackson, um cidadão anônimo, talvez,
que viveria até os 70 anos. Ou oitenta.
E que seria mais feliz. Com certeza.

Marco Angeli, julho de 2009, listening We Are The World


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