domingo, 18 de outubro de 2009

FOME by Arnaldo Jabor


Que sabemos que as coisas andam esquisitas, sabemos.
E que brincamos todos os dias, fascinados e orgulhosos,
com toda essa tecnologia que inventamos, também.
Mas toda a maquiagem, no final, não consegue disfarçar
as lágrimas...teimosas.
O porque...talvez esteja nesse textinho do Jabor:

Estamos com fome de amor...
 (JORNAL O DIA! Arnaldo Jabor)
O que temos visto por ai ???
Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada
vez mais micro e transparentes.
Com suas danças e poses em closes ginecológicos,
cada vez mais siliconadas, corpos esculpidos por cirurgias plásticas,
 como se fossem ao supermercado
e pedissem o corte como se quer... mas???
Chegam sozinhas e saem sozinhas...
Empresários, advogados, engenheiros, analistas, e outros mais
 que estudaram, estudaram, trabalharam, alcançaram
 sucesso profissional e, sozinhos...


photo by Elisa Lazo de Valdez
Tem mulher contratando homem para dançar com elas
 em bailes, os novíssimos "personal dancer", incrível.
E não é só sexo não!
Se fosse, era resolvido fácil, alguém dúvida?
Sexo se encontra nos classificados, nas esquinas,
 em qualquer lugar, mas apenas sexo!
Estamos é com carência de passear de mãos dadas,
 dar e receber carinho, sem necessariamente, ter que depois
 mostrar performances dignas de um atleta olímpico na cama ...
sexo de academia . . .
Fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que
vão "apenas" dormir abraçadinhos, sem se preocuparem
com as posições cabalísticas...
Sabe essas coisas simples, que perdemos
nessa marcha de uma evolução cega?


ilustration by John Pack
Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção...
Tornamo-nos máquinas, e agora estamos desesperados
por não saber como voltar a "sentir", só isso,
algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós...
Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada nos sites
de relacionamentos "ORKUT", "PAR-PERFEITO" e tantos outros,
veja o número de comunidades como:
"Quero um amor pra vida toda!",
"Eu sou pra casar!" até a desesperançada "Nasci pra viver sozinho!"
Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários,
em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos,
plásticos, quase etéreos e inacessíveis.
Se olharmos as fotos de antigamente, pode ter certeza de
que não são as mesmas pessoas, mulheres lindas se
plastificando, se mutilando em nome da tal "beleza"...
Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento,
e percebemos a cada dia mulheres e homens com cara de bonecas,
sem rugas, sorriso preso e cada vez mais sozinhos...
Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário...
Pra chegar a escrever essas bobagens? (mais que verdadeiras)
É preciso ter a coragem de encarar os fantasmas
de frente e aceitar essa verdade de cara limpa...
Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia isso é
julgado como feio, démodê, brega, famílias preconceituosas...
Alô gente!!! Felicidade, amor, todas essas emoções
fazem-nos parecer ridículos, abobalhados...


Charlie Chaplin, City Lights 
Mas e daí? Seja ridículo, mas seja feliz e não seja frustrado...
"Pague mico", saia gritando e falando o que sente,
 demonstre amor...
Você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo
pra ser feliz é curto, e cada instante que vai
embora não volta mais...
Perceba aquela pessoa que passou hoje por você na rua,
talvez nunca mais volte a vê-la, ou talvez a pessoa que
 nada tem a ver com o que imaginou mas que pode ser
a mulher da sua vida...
E, quem sabe ali estivesse a oportunidade de
um sorriso a dois...
Quem disse que ser adulto é ser ranzinza?
Um ditado tibetano diz:
"Se um problema é grande demais, não pense nele...
 E, se é pequeno demais, pra quê pensar nele?
"Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte
com o dedo, assistir desenho animado, rir de bobagens ou
ser um profissional de sucesso, que adora rir de si
mesmo por ser estabanado...
O que realmente não dá é para continuarmos
achando que viver é out... ou in...


 Ilustration by Todd Davidson
Que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo,
que temos que querer a nossa mulher 24 horas maquiada,
e que ela tenha que ter o corpo das frutas
tão em moda na TV,
e também na playboy e nos banheiros.
 Eu duvido que nós homens queiramos uma mulher assim
para viver ao nosso lado, para ser a mãe dos nossos filhos.
Gostamos sim de olhar, e imaginar a gostosa,
mas é só isso, as mulheres inteligentes
 entendem e compreendem isso.
Queira do seu lado a mulher inteligente:
"Vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra,
um dos dois, ou quem sabe os dois, vão querer pular fora,
mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de
que vou me arrepender pelo resto da vida"...


Photo by H. Armstrong Roberts
Por que ter medo de dizer isso, por que ter medo de dizer:
"amo você", "fica comigo"?
Então, não se importe com a opinião dos outros. Seja feliz!
Antes ser idiota para as pessoas que infeliz para si mesmo!

Arnaldo Jabor

Se você achou a idéia antiquada ou ultrapassada,
seu caso provávelmente é grave.
Nem as comunidades do Orkut resolverão.

Marco Angeli, outubro de 2009

sábado, 10 de outubro de 2009

BLADE RUNNER, LOVE THEME by Marco Angeli


Coloquei ontem no Facebook o vídeo Love Theme, do filme
Blade Runner, com o comentário de que essa música, para mim
especialmente, tem um significado forte,
 e marcou um momento inesquecível...
Isso despertou imediatamente os cromossomos XX de algumas
amigas e tive que prometer que contaria a histórinha.
Então, especialmente para a Silvana Spinelli, Monica Figueiredo,
Livia Borges Goldwyn (assumidamente romântica),
Roberta Toneto, Sissy Mazzucatto, Rosa Cardoso, Elisa Toneto,
e a Anna No More, aí vai esse momento:

Num sábado à noite, garoento, como alguns de São Paulo,
lá pelo ano de 90, 91, eu havia marcado com alguns amigos para
ir jantar no Ritz (a Silvana conhece bem...), um costume entre nós,
que acabava sempre ou passava sempre pelo Baguette do
João Pedro, lá no final da Consolação -quase Paulista.
Entre eles meu grande amigo, o artista plástico Herton Roitmann,
ex-diretor do Grupo de Teatro do Itaú.
Através do Herton, que era muito ligado à vida musical da cidade, eu
havia conhecido Vanderléa, Wilson Simonal, Agnaldo Raiol, Martinha,
Eduardo Araújo e a Silvinha...o pessoal da Jovem Guarda, lembram?
O ateliê e a casa do Herton nessa época eram na
Rua Pe. João Manuel, à pouca distãncia de minha casa.
Eu me preparava para sair
quando ele me ligou avisando que se eu pudesse, me apressasse.
Uma cantora, sua amiga, estava indo
para o próprio show, quando seu carro quebrou...
E que ele gostaria de levá-la, e já que eu estaria por alí,
se eu poderia fazer isso...
Mas eu precisaria estar lá na hora, pois senão o show atrasaria,
era solo... e ela era a estrela.



Eu confirmei tranquilamente, disse a ele que dava tempo tranquilo.
Mas, como meu nome é Marco Angeli, tenho uma noção de tempo
e distâncias sempre otimista demais, sagitariana demais.
Fui e acho que parei pra tomar café, ou qualquer coisa do tipo,
não lembro -sei que atrasei uns minutos, poucos, mas...
Quando cheguei no prédiozinho onde o Herton tinha seu ateliê,
ele e mais dois amigos entraram em polvorosa em meu carro,
e o Herton -normalmente controlado- bradou:
-Corre, cara, ela tá furiosa, já me ligou umas trinta vezes, disse
que vai perder o show por minha causa e do meu amigo tonto!!!!!
O amigo tonto, claro, era eu.
E lá fomos nós correndo para a casa dela,
 que por felicidade era alí pertinho.
Lembro dessa primeira vez em que vi NC*, bonita,
imponente e irada, em plena calçada, ansiosa e superior.
O Herton quase pulou do carro andando para chamá-la.Ela
sentou em silêncio ao meu lado e respondeu com o boa noite
mais seco e sem qualquer inflexão que eu já havia recebido em toda
a minha vida. Minha ficha caiu.
Fui dirigindo para o endereço do show, e se eu pudesse me enfiaria
debaixo do banco, se o carro não fosse meu e se não fosse
eu mesmo que estivesse dirigindo.
Não sabia se ia depressinha, maneiro, ou se detonava, em vista das
circunstâncias, o que poderia piorar considerávelmente as coisas,
já que ela provávelmente se descabelaria toda,
e aí seria a ruína total.
Enquanto eu fazia o possível e rezava pra chegar pouco atrasado
com a estrela do show, um silêncio sepulcral dentro do carro,
como diria a Silvana brilhantemente.
Ninguém falava, todo mundo respirava baixinho.
E ela alí, ao meu lado, impassível e furiosa.
Desesperado, liguei o som, pra diminuir aquele silêncio asfixiante.



No ar, baixinho, suavemente...o love theme do Blade Runner.
Comentei, já quase chegando:
-Nossa, adoro essa música...o filme...é lindo, não é?
Silêncio. Nenhuma resposta.
Nem de meus amigos, eles não se atreviam a abrir a boca.
Chegamos e ela desceu da mesma forma imponente e furiosa que
havia entrado. Apenas um obrigado murmurado e correu
pro camarim, reclamando que já não daria tempo de
se preparar.
Entramos, tudo lotado.
 Era uma casa de shows com um palco no centro,
centenas de pessoas à volta. Fomos para a primeira fila,
nos lugares reservados para nós. Fui indeciso, mortificado.
O show já estava atrasado alguns minutos, e eu pensava em
todas aquelas pessoas alí, esperando.
E se eles imaginavam que eu era o culpado pelo atraso.
As luzes se apagam. Um spot ilumina sómente o centro do palco.
Apenas um piano.
NC entra calmamente, com aquela majestade que quem já viu
conhece bem. Pede desculpas pelo atraso.
Nesse momento, alí na primeira fila,
penso em levantar e me mandar.
Sou perigoso nesses momentos porque costumo fazer
exatamente o que penso. Nesse dia, talvez por estar alí,
bem na frente dela, e pelo meu amigo...não fiz isso, felizmente.
Ela se senta ao piano suspira, e diz:
-Vou dedicar esta primeira música...à um amigo, muito gentil...
porque sei que ele gosta muito dela...
Virou pra mim, um breve olhar,
 e seus dedos encostaram nas teclas do piano.
Alí, no ar...os primeiros acordes do Love Theme, Blade Runner.
Meus amigos, ao meu lado, fizeram a conexão imediatamente,
e se viraram para mim, espantados.
E eu alí, embevecido, um sorriso idiota cravado na cara.
Ela emenda, não sei como...para o One More Kiss, Dear...



E aquele sorriso idiota se eternizou definitivamente em minha
cara, até o final de seu show, até a última música...

Naqueles dias, eu ainda estava longe de assumir, compreender ou
viver integralmente essa emoção que hoje me coloca diante de
uma tela branca e me faz pintá-la...com o que eu acredito.
Hoje, muito tempo depois, sou capaz de compreender melhor que
a emoção, a comunicação, num artista...está sempre e sempre
naquilo que ele sabe fazer: sua própria arte.

Blade Runner é um cult movie, especial não só pela fotografia
genial, pelo tema, ou pela música maravilhosa do Vangelis.
É um desses filmes que fazem a história do cinema e infuencia
toda uma geração de cineastas.
Nessa época andei por aí quase um ano com o cabelo descolorido,
quase branco, uma façanha naqueles dias...inspirado no
personagem do Rutger Hauer.


Bom, espero que as meninas dos cromossomos XX tenham
gostado da histórinha.Foi realmente um momento inesquecível.

*Não coloquei o nome dela por razões óbvias, ela
provávelmente ficaria mais brava ainda, mesmo hoje...eheh.


Marco Angeli, outubro de 2009

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

SAWABONA/SHIKOBA by Marco Angeli


A vida parece andar em círculos.
Lembro claramente de um texto que li no jornal O Globo,
dentro de um avião, voltando de um lugar qualquer,
aborrecido como sempre dentro de aviões...
O texto era de um psicanalista, e abordava de forma
criativa as relações entre homens e mulheres.
Eu acabava de me separar, e aqui no Brasil iria enfrentar
novamente esse dilema, o de me envolver novamente ou não,
então pensava muito nisso, e procurava uma
resposta convincente pra muita coisa...
O texto defendia o fim do romantismo que durante séculos
havia regido as relações entre homens e mulheres.
Mostrava uma visão muito mais prática e realista
para uma questão que é polêmica, no mínimo.
A do amor.



O autor do artigo -cujo nome infelizmente já não lembro-
defendia com veemência que já não havia espaço para
o romantismo como o conhecemos no mundo em que
vivemos e que se transformaria cada vez mais e mais -num
futuro previsível...
Pois é,o futuro chegou, de forma surpreendente, anos depois
daquele texto no avião...e é mais espantoso do
qualquer um de nós poderia prever...
Hoje, constato que acabei vivendo e vivo, não exatamente por
opção, mas por aprendizado mesmo -que nem sempre
foi fácil ou indolor- a íntegra do que aquele texto
profetizava. E que hoje, anos depois, reconheço no texto
que acabo de receber de minha amiga Silvana Spinelli,
de autoria do psicanalista Flavio Gikovate.
De certa forma ele vem de encontro às reflexões
textos de Mônica Comenale, uma mulher excepcional
que tenho a sorte de ter ao meu lado.

Aí está, pensem:  

SAWABONA/SHIKOBA 

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio
deste milênio.
As relações afetivas também estão passando por profundas
transformações e revolucionando o conceito de amor.



O que se busca hoje é uma relação compatível
com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito,
alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de
dependência em que um responsabiliza o outro
pelo seu bem-estar.
A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade,
que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste
início de século. 
O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e
precisamos encontrar nossa outra metade para nos
sentirmos completos.



Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que,
históricamente, tem atingido mais a mulher.
Ela abandona suas características para se amalgamar ao projeto masculino.
 A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o 
outro tem que saber fazer o que eu não sei.
Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante.  
Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.
A palavra de ordem deste século é parceria.
Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo.
Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que
é muito diferente.
Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual,
as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sózinhas, e
aprendendo a conviver melhor consigo mesmas.
Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas
são inteiras.



O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente
uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma.
É apenas um companheiro de viagem.
O homem é um animal que vai mudando o mundo e depois
tem que ir se reciclando para se adaptar ao
mundo que fabricou.
Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem
nada a ver com egoísmo.
O egoísta não tem energia própria, ele se alimenta da energia
que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova
feição e significado.
Visa a aproximação de dois inteiros e não a união
de duas metades.
E ela só é possível para aqueles que conseguem trabalhar
sua individualidade.



Quanto mais o indivíduo for competente para viver sózinho, mais
preparado estará para uma boa relação afetiva.
A solidão é boa, ficar sózinho não é vergonhoso.
Ao contrário, dá dignidade à pessoa.
As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com
o ficar sózinho, ninguém exige nada de ninguém,
e ambos crescem.
Relações de dominaçção e de concessões exageradas são
coisas do século passado.
Cada cérebro é único.
Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para
avaliar ninguém.
Muitas vezes pensamos que o outro é nossa alma gêmea e,
na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.
Todas as pessoas deveriam ficar sózinhas de vez em quando,
para estabelecer um diálogo interno
e descobrir sua força pessoal.
Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito
só podem ser encontradas dentro dele mesmo e não
à partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo
quanto ás diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.
O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. 


Fiz esta ilustração originalmente para o Unicard, em 2001
Airbrush, digital

Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia
e o respeito pelo ser amado.Nem sempre é suficiente
 ser perdoado por alguém.
Algumas vezes temos que aprender a perdoar a nós mesmos.

SAWABONA é um cumprimento usado no sul da África
e significa:
'Eu te respeito, eu te valorizo, você é importante para mim.'
Em resposta, as pessoas dizem SHIKOBA, que significa:
'Então eu existo para você.'


Texto de Flavio Gikovate, médico psicanalista

É isso, quem viver verá.


Marco Angeli, outubro de 2009, thinking about