terça-feira, 4 de setembro de 2012

JACK KEROUAC, ON THE ROAD by Marco Angeli


Reli On The Road finalmente, com um intervalo de quase 40 anos.
A intensidade com que me atingiu, dessa vez, foi com certeza
maior do que a primeira, quando eu tinha uns 16 anos apenas,
e de certa forma estávamos imersos numa realidade que
seu manuscrito, uns quinze anos antes, havia
previsto com tanta intensidade.

Jean-Louis Lebris de Kerouac, ou Jack Kerouac

Bob Dylan declarou que On The Road mudou sua vida.
Mas ainda é pouco para tentar definir o manuscrito de Jack Kerouac,
escrito em 1951, e que colocou na história os beats, os hipsters -espécie
de visionários- e toda uma cultura americana underground,
que existia, arfante e ardente, nas marginais da sociedade
da América pós-guerra, na voz do povo das estradas poeirentas.
Estar diante do manuscrito original -agora- de Jack Kerouac, escrito
de um folêgo só em três semanas, num rolo de papel de 36 metros,
depois de dois anos de ensaios...é exatamente como parar desavisado
diante de uma pintura que imediatamente te arrebata, eriça os pelos
de tua nuca e te transporta para cada gesto do pintor, cada
pincelada sobre o canvas.


Aliás, o próprio Kerouac, entusiasmado em descobrir novas
maneiras de escrever e se livrar da tradição do romance bem
composto europeu, definia sua própria técnica como sketching, esboço
sem correções, escrito num fluxo só, sem parar.
Por essas e outras On The Road é mesmo a bíblia da geração beat,
 influenciou as gerações subsequentes fortemente, e hoje,
62 anos depois, é estranhamente contemporâneo, numa
sociedade global cada vez mais regrada, comportada e
forçosamente 'políticamente correta'.
On The Road colocou Jack Kerouac, ou Jean-Louis Lebris de Kerouac,
nascido em 12 de março de 1922 em Massachussets, na galeria
dos maiores escritores americanos, especialmente
do período pós-guerra.
Kerouac escreveu o manuscrito em abril de 1951, escutando
jazz num velho rádio, curtindo café e benzedrina o tempo todo,
e o terminou em 3 semanas.

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Do manuscrito original de On The Road:
(...) Eu podia ouvir tudo, os sons da rua se misturavam ao
zumbido do néon do meu hotel. Nunca me senti tão triste em toda
a minha vida. L.A. é a mais solitária e brutal de todas as cidades
americanas; em Nova York fica frio pra cacete durante o inverno mas
existe um doido sentimento de camaradagem em algum lugar em
algumas ruas. L.A é uma selva. A rua South Main, por onde Bea e eu
perambulávamos comendo cachorros-quentes, era um fantástico carnaval
de luzes e loucura. Policiais de coturno revistavam pessoas em
praticamente cada esquina. As calçadas fervilhavam com os
personagens mais maltrapilhos da nação---tudo isso sob aquelas
suaves estrelas do sul da Califórnia que estão perdidas na aura escura
desse enorme acampamento no deserto que L.A. de fato é. Você
podia sentir o cheiro da erva, de baseado, quer dizer maconha flutuando
no ar, junto com o de chili e cerveja. Aquele grandioso e selvagem
som de bop flutuava das cervejarias; mesclava-se em misturas com todas
as espécies de caubói e boogiewoogie dentro da noite americana.
(...)Negros muito loucos com bonés bop e cavanhaques passavam
ás gargalhadas; depois hipsters cabeludos e deprimidos
recém-saídos da rota 66 de Nova York, e então velhos ratos
do deserto com suas mochilas indo em direção a um banco de parque
na Plaza, logo a seguir pastores metodistas com as mangas
arregaçadas, e um eventual garoto santo e naturalista de
barba e sandália. Eu queria conhecer todos eles, conversar
com todo mundo(...) 

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Mas o livro só seria publicado em 1957, anos depois e inúmeras
modificações depois, sempre exigidas por editores e feitas
por Kerouac, em tentativas frustradas para editar seu
manuscrito. A edição final troca inclusive os nomes verdadeiros
dos personagens, exigência das editoras, com paura de
eventuais processos. Assim, Neal Cassady
vira, na edição publicada em 1957, Dean Moriarty e o próprio
Jack, Sal Paradise.
Kerouac faleceu em 1969, na Flórida, aos 47 anos,
de cirrose hepática.

Na estrada, Kerouac e seus personagens buscam e buscam
o significado para a vida, o conhecimento, a sensação da
noite americana...e o significado está lá adiante, sempre e sempre,
sem jamais ser alcançado. Mas o caminho percorrido nessa busca
talvez seja o que realmente importa. A estrada.
A estrada estendida diante de Kerouac, em 1951,
e hoje ainda...estendida á nossa frente.

Marco Angeli, setembro de 2012