sexta-feira, 24 de abril de 2009

A HISTÓRIA DAS COISAS by Marco Angeli

Recebi o vídeo The Story Of Stuff de um velho amigo
que sempre me manda coisas interessantes,
inteligentes. Paulo Reisinger trabalhava na produção de eventos e
foi um de meus parceiros de
trabalho na Editora Abril, época em que eu
fazia direção de arte de Noticiário da Moda.
O vídeo é simples, direto, e fala sobre o ciclo de consumo
no mundo em que vivemos, básicamente.
Seria chato se não fosse verdadeiro -espantoso
até - quando os números ou
os fatos que mostra são tão óbvios e previsíveis, tão
infantilmente dedutíveis que acabamos nos
perguntando como nos alienamos tão completamente
de uma realidade tão visível e exposta.


O vídeo A História das Coisas é apresentado
por Annie Leonard, e produzido pela
Free Range Studios. A animação de Ruben DeLuna é muito
bacana. Essa versão dublada deixa a desejar, mas
existe a versão original no YouTube. Vejam.


De fato somos consumistas, em maior ou menor escala,
mas assumimos isso sempre como uma
responsabilidade individual, nunca como uma atitude
que afeta indiretamente a vida de milhares de pessoas
no mundo de forma irreversível, cruel.
E afeta nossa vida, inclusive.
Vemos no vídeo a enorme diferença de consumo entre
a geração de 1950 e a atual, a quantidade
gigantesca de bens que adquirimos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 1% dos produtos
consumidos sobrevive após seis meses de uso.
O resto, 99%, vira lixo. E imaginem para onde vai esse lixo.

Ssomos mais e mais
induzidos a isso pela mídia num processo incansável
de produção e reposição. E de lixo, lixo.
Lixo que afeta a vida do planeta.
Não são dados romanticos. São dados reais.
É só você imaginar -se tem filhos pequenos- quanto de
ar eles terão para respirar na idade adulta.
Ou onde estarão as árvores, a água, os rios. E como estarão.
A análise desse ciclo é cruel, mas reveladora.
É analisada no vídeo do período pós guerra até hoje.

Isso o torna interessante, elucidativo, e preocupante.
Deveria fazer parte da educação nas escolas, com certeza.
Não se atribuiria, assim, as consequências do
consumismo desenfreado apenas à pessoa que consome,
mas se entenderia as consequências globais
desse processo, que são desastrosas.
Lembro irônicamente dos comentários de meu pai e
meu tio, há muitos anos, sobre os produtos -carros especialmente-
fabricados para se destruírem rápidamente, e
assim alimentarem mais e mais o comércio.

Eu sorria, meio descrente, mas hoje esse vídeo
nos mostra que a realidade, desde os anos 50, sempre
foi essa, e induzida como estratégia.
O processo afeta e afetará nossas vidas e a de nossos
filhos de uma forma irreversível, cruel.
Pois não há, simplesmente, como repor os milhões de
quilometros de florestas destruídos, a água do planeta
que é contaminada, etc. Tudo em nome da produção,
e consequentemente do consumo.
Produz-se tudo, vende-se tudo, numa velocidade cada
vez mais frenética.
Vendem-se, inclusive, pessoas.
Imagens, ícones, estereótipos de gente que não existe,
como as mulheres da Playboy, com peitos e bundas
retocados. Mulheres perfeitas, mas que não existem.

Um amigo, justamente um dos fotógrafos mais conhecidos
por seu trabalho na Playboy, colocava a coisa assim:
-'São fotos para a turma do banheiro, essas que faço.'
Pois é, imagens para a turma que sonha.
Sonha mas não vive a realidade, que é bem outra.
A realidade esta nesse vídeo, direta e simples.
A realidade sobre a venda da imagem pela mídia
está também no instigante livro de Augusto Cury,
psiquiatra, 'A Ditadura da Beleza.'

Cury fala com clareza sobre a mídia que à custa da
saúde e da condição mental das mulheres cria
estereótipos do que é ou não belo.
De como devem ser as mulheres.

Isso é óbvio, está na nossa frente todos os dias
nas revistas, nos out doors, nos anúncios de TV.
Excluem-se simplesmente as gordinhas, as que tem cabelos
cacheados quando a moda são cabelos lisos, as que
tem cabelos lisos quando a moda são cachedos e por
aí vai...isso para não se falar da velhice, de rugas,
que simplesmente não existem na mídia, exceto de
uma forma rósea, camuflada, e sempre alardeando
uma eterna juventude 'saudável' à custa de
incontáveis botox e cirurgias.
Isso para não se falar de abulemia, anorexia, etc, o preço
pago pelas modelos.

O imbecilizante BiguiBródi é um exemplo claro
e indisfarçável de modelitos escolhidos à dedo para
serem a imagem máxima da perfeição e do consumo.
Exemplos a serem imitados, copiados, seguidos.
Não importa se não tiverem absolutamente conteúdo
algum, se seus conhecimentos forem abaixo de
qualquer crítica, se seus pensamentos forem medíocres.
O que importa é que gerem consumo. Roupas, academia,
carros, cabeleireiro, peitos postiços, e vai por aí...
Vale tudo no jogo, e aí fica bem clara a colocação
e o uso que se faz das mulheres, a de objetos apenas.
Vestidas ou nuas, só servem para isso. Consumo.
De vez em quando, apenas para evitar críticas como
essa, os caras colocam uma 'tiazinha' ou um 'tiozinho' em cena,
apenas como figurantes, claro. Apenas para
'humanizar'. Técnica de publicidade, apenas.

Alíás, por falar nisso, esse lance do consumo sempre
me preocupou quando trabalhava com propaganda.
Tive agência, fui diretor de criação de outras tantas
e free lance de agências e editoras, entre elas a própria
revista Playboy, para quem fiz dezenas de ilustrações
como free lance.
Essa preocupação gerou uma reflexão e foi um dos fatores que há
muitos anos infuenciaram minha decisão de me
dedicar sómente à pintura.
Hoje, olhando para trás e para os lados, cada vez
mais me convenço de que foi uma decisão acertada.

Cada um de nós exerce um papel e infuencia mais ou
menos o ambiente e o mundo em que vive, relativamente
ao poder que tem nas mãos.
E tem que assumir sua responsabilidade sobre isso.
Minha decisão foi acertada.
Se não por mim, pelo meu filho, e pelo mundo em que
ele viverá.

Marco Angeli, abril de 2009

segunda-feira, 13 de abril de 2009

HISTÓRIA DA MODA BRASILEIRA by Marco Angeli


Descobri por estes dias a publicação
Cronologia Histórica da Moda Brasileira (1951-2008),
publicada pela Editora Cosac Naify.
Há uma sinopse muito interessante na net, abrangente,
que cita desde o lançamento da lista das
'Dez Mais Elegantes' pela revista O Cruzeiro, em 1951,
e vai passando pelo surgimento dos profissionais que
ano após ano foram construindo a moda brasileira,
como Danuza Leão, Dener, Otto Stupakoff,
Clodovil Hernandez, Gilda Chataignier,
Ronaldo Esper, Miro, Antonio Guerreiro
e muitos outros, entre eles o fotógrafo
Luiz Garrido, grande amigo dos tempos da Editora Abril.
No ano de 1977 o texto cita duas ocorrências:

'1977
Marco Angeli passa a ilustrar as capas da edição brasileira
da revista Interview.
O francês Bernard funda a Bernard Models, em São Paulo.'


Muito bacana a citação, já que eu adorava desenhar as
capas de Interview. A revista foi criada e era dirigida
pelo Claudio Schleder e Richard Raillet, que óbviamente
gostavam do que faziam.



Capa da interview 52. Desenhei essa capa sobre uma
foto
de Fernando Lousa.

A Interview brasileira seguia o mesmo conceito da original
americana -editada desde 1969 por Andy Warhol- que
inclusive desenhava muitas de suas capas.
Era feita na Avenida Paulista, numa época sem e-mails
ou net...então eu vivia correndo no final da tarde para a
redação, que ficava num dos prédios da avenida.
A gente se reunia rápidamente, escolhíamos a foto que seria
usada como base para a capa que deveria estar na gráfica
sempre no dia seguinte, uma correria.
Fatalmente eu desenhava as capas de madrugada.
Interview foi uma revista que marcou uma época na
história das publicações brasileiras, e sua importância
é fácilmente reconhecível quando vemos o quanto foi
copiada -inclusive as capas- em vários países da
América do Sul.



Capa que desenhei para Interview 58.
Não consegui descobrir, hoje, quem era a modelo ou o fotógrafo.


Mas, incrívelmente, era feita quase de maneira caseira,
artesanal, por quatro ou cinco pessoas apenas, entre
eles Mario Mendes, editor da revista, sempre
divertido e extremamente plugado em tudo
o que fazia. Ríamos muito juntos, sempre.
Minha história com a moda na realidade começou em
1975, com o lançamento pela Abril da revista
profissional Noticiário da Moda, voltada para o ramo têxtil.
Criei o design inicial da publicação, seu logotipo,
e fui seu diretor de arte por mais de um ano.
Trabalhavam para a revista os fotógrafos Chico Aragão,
Fernando Lousa e Trípoli, básicamente.



Capa de Noticiário 198, de fevereiro de 1976.
Os créditos de capa diziam:
'Nossa capa é a linha chinesa interpretada pela
Groovy. Colete e saia de veludo, blusa de
flanela. Foto de Fernando Lousa.'


Continuei depois, por anos, a trabalhar com moda através
de uma agência de publicidade que montei com alguns
outros profissionais exatamente para isso.
Em 1977 desenhei o primeiro anúncio para a
confecção de Renato Kherlakian -a Zoomp- que
nascia nessa época. Interessante que eu mesmo não
sabia que aquele havia sido o primeiro anúncio da
Zoomp, foi o próprio Renato que comentou isso
comigo, num encontro muitos anos depois.



Desenhos e diagramação do catálogo de
lançamento da coleção da Equilíbrio de 1985,
da estilista Marcia Gimenez, que por coincidência
é da família, minha prima.


Ilustração para anúncio do jeans Dom Perignon,
do estilista Zequita, publicado na Playboy
em 1978.


Ilustração para a Benetton, feita
para a agência de publicidade RSVP.



Ilustração para a Vila Romana, 1987.

Entre todos os trabalhos realizados nestes anos,
até 1990, as capas de Interview -muitas- sempre
foram muito especiais para mim, uma à uma.
Nos Estados Unidos as capas eram desenhadas
por vários artistas além de Warhol, entre eles
Richard Bernstein, que fotografou e desenhou
várias capas da edição americana.
No Brasil, além de mim, as capas foram
desenhadas por Richard Raillet, Claudio Tozzi,
Newton Mesquita, Zaragoza e Rodolfo Vanni.
Houve inclusive uma mostra memorável das artes
dessas capas na Galeria São Paulo, na
rua Estados Unidos, em SP.



Interview 62, que também desenhei
sobre foto de Fernando Lousa.


Interview 57. Não sei quem fotografou,
mas a modelo era muito parecida com a Marilyn Monroe.
Desenhamos a capa dedicada a ela.
A letra da música, inclusive, é de um de seus filmes.

Desenhar as capas das edições brasileiras foi para
mim um prazer e teve uma importância fundamental
em meu trabalho, já que Andy Warhol foi um dos
artistas que mais admiro e com quem sempre tive
uma forte identificação.
A influência de Warhol em meu trabalho é muito grande,
conceitual e visualmente.


Frente e verso da edição americana de Interview de julho de 1982,
capa assinada por Warhol.


Capa da edição americana de Interview de
agosto de 1986, com o ator Robin Willians, desenhada
por Andy Warhol.


O próprio Warhol fotografando a capa da edição
americana de Interview de dezembro de 1972.

Andy Warhol morreu em 1987, com 58 anos,
e Interview continua nos EUA até hoje, sem seu
charme e estilo. Eu mudei os rumos de meu desenho
de lá para cá, mas as imagens que criamos nessa época
continuam por aí, serelepes, fazendo parte de uma
história que continua e continua.

Marco Angeli, abril de 2009

sábado, 11 de abril de 2009

NEW YORK, RIO, SÃO PAULO by Marco Angeli


Essas obras fazem parte da coleção de
Fernando Sodré Santoro, foram pintadas recentemente
e entregues a ele há alguns dias.


Times Square, NY, 130 x 100 cm, carvão e acrílico sobre canvas.
Não há como retratar Times Square sem cor, muita cor,
e foi o que fiz neste trabalho, que acaba virando
quase que uma exceção na linha que tenho seguido há anos.

Mas a mudança é interessante.
E a imagem é contemporânea, retrata NY hoje.


Times Square, detalhe.


Teatro Municipal, Rio de Janeiro, c.1930.
110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.



Teatro Municipal, detalhe.


Candelária, Rio de Janeiro, c. 1940.
110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.


Candelária, detalhe. A figura humana, integrante
da paisagem urbana.



Subida da Avenida Angélica, São Paulo, c. 1940.
120 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.
O padeiro sobe lentamente a avenida numa manhã
chuvosa, há muito tempo, num cotidiano da cidade
que ficou para trás.


Avenida Angélica, detalhe. A força da figura humana,
ainda que simplesmente intuída.


Avenida 9 de julho, São Paulo, c. 1950.
110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.


9 de julho, detalhe.



Times Square, New York, hoje.
130 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.

Este trabalho, no seu final, acabou me lembrando um pouco
da obra do artista americano Edward Hooper, um dos pintures que,
junto com Norman Rockwell, retratou de maneira inesquecível
o way of life da América nos anos 50.
A obra de Hooper fez parte de minha escola, e influencia e
muito meu trabalho, quase que inconscientemente.


Times Square, detalhe.



Cinelândia, Rio de Janeiro, c. 1950.
110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.


Cinelândia, detalhe.


Praça do Patriarca, São Paulo, 1936.
110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.


Praça do Patriarca, detalhe.


Avenida São João, São Paulo, 1937.

110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.


As meninas, levadas provávelmente pela mãe, e os
vestidos de bolinhas, detalhe.
Tenho e sempre tive fascinação por mulheres com vestidos
de bolinhas, acho uma covardia.
As 'pois' adicionam à qualquer mulher um charme
insuportável, um estilo irresistível, principalmente
em vestidos brancos.
E quanto mais 'petits' melhor.
Funciona com crianças também. Menininhas que usam
vestidos
com 'pois' jamais serão mulheres como as outras,
carregarão consigo o charme das pequenas bolinhas para sempre.


Praça da Bandeira, São Paulo, 1956.
110 x 100 cm, carvão, pastel e acrílico sobre canvas.
Meu pai, como o homem em minha pintura,
lia a Gazeta Esportiva nos domingos de manhã,
muitas vezes no centro da cidade. Acompanhava
as peripécias de seu time de futebol, que não poderia ser
outro além do Palestra Italia, o Palmeiras.
A presença do homem anônimo na paisagem urbana
é uma constante em meus trabalhos.
O homem que ajuda a construir e mudar a cidade é
apenas um passageiro em sua paisagem, mas suas marcas,
por menores que sejam, permanecem após seu
desaparecimento. O anônimo desaparecerá sim, e a cidade
continuará em sua eterna mutação, mas ele estará,
eventualmente, retratado em trabalhos como o meu.


Praça da Bandeira, detalhe.

Darei sequência, provávelmente, ás pinturas de New York,
que estarei colocando por aqui oportunamente.

Marco Angeli, abril de 2009

sexta-feira, 3 de abril de 2009

DESCULPAS by Marco Angeli


Peço desculpas à Daniela Camargo sobre
o personagem Spirit.
Em nossa conversa sobre meu post ela realmente tinha
razão sobre o cavalo, personagem do filme
da Dreamworks 'Spirit Stallion of The Cimarron'.
Assisti ao filme mais de uma vez e infelizmente não
me lembrei do nome do personagem principal,
em nossa conversa.


Spirit, o personagem da Dreamworks: assistam

Lembro ainda que a primeira vez em que vi a animação,
muito bacana por sinal, foi numa festa de primeiro de ano
no sítio de meu amigo Paulinho Silva, fotógrafo,
que na época era também criador de cavalos.
Muitas crianças na sala, naquele primeiro de ano,
e eu, como elas, me encantei com Spirit e sua
namorada Chuva.
Quando redigi o post sobre o Spirit de Will Eisner fiquei
tão absorvido que acabei me esquecendo da animação.
Sorry, babe.
Tenho também que me desculpar por não ter citado
nenhum dos artistas brasileiros que fizeram a história
das HQS no Brasil, e que admiro muito, entre eles
Ziraldo, Jayme Leão, Luis Gê, Laerte, os irmãos Caruso,
Jaguar, e o inesquecível Henfil, como lembrou muito bem
uma das leitoras de meu blog em seu comentário.
E, claro, o genial Angeli, que por coincidência genética
é meu primo.
Sorry again.

Marco Angeli, abril de 2009