terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

OTAVIO SANTORO E O TANGO III by Marco Angeli




Tango III, 120 x 140 cm, carvão e acrílico sobre canvas

Quando preparava as imagens desta pintura, Tango III,
para postar aqui, recebi de Otavio um e-mail em que comentava
sobre o trabalho que fiz para ele no final do ano,
a pintura Avenida São João, 1950.




Detalhes de Tango III

Tango III também foi pintado para o Otavio e será oferecido
como presente de casamento para um amigo dele
de nacionalidade argentina. O casamento acontecerá em
alguns dias, em Punta Del Este.

O comentário de Otávio, que óbviamente me deixa
muito orgulhoso:

"Gostaria de relatar aos leitores a ao meu amigo Marco,
que eu já era seu fã antes de conhecê-lo.
Quando os meus pais me deram de presente uma obra do
Marco Angeli, fiquei muito contente e entusiasmado
para conhecer este grande e talentoso artista.
Marcamos um dia em minha casa para nos
conhecermos e escolher qual seria o tema ideal.
Fiquei impressionado com a simpatia, simplicidade e
bom papo deste talento de nosso país, ficamos
conversando algumas horas, como
se fossemos velhos amigos.
Após conversarmos sobre algumas possibilidades de tema
à ser pintado, decidimos que São Paulo seria a melhor opção.
Ficou incrível!!!
Guardarei por toda minha vida o presente especial que
ganhei dos meus pais, esta obra de arte feita para minha
casa e pintada por um brasileiro talentoso e fantástico
chamado Marco Angeli.

Muito obrigado
Um forte abraço
Otavio Sodré Santoro"




De todos os retornos possíveis de meu trabalho como
artista plástico, o texto do Otávio é de longe o mais
importante, o mais gratificante.
Em 1998, depois de ter atuado como diretor de arte
e diretor de criação de algumas agências de
publicidade de São Paulo, ter tido minha própria
agência, além de ter trabalhado como free lance para
quase todas as grandes agências de São Paulo, como
a Norton, DPZ, McCannErickson, Standard, Fischer&Justus,
Thompson e outras, decidi deixar o trabalho de publicidade
para me dedicar à pintura sómente, que eu levava meio
em paralelo à propaganda.
Foi uma decisão pessoal, e eu não sabia o que esperar
dos anos que se seguiriam.
Hoje, a cada vez que tenho uma reação como a do Otávio
ao meu trabalho, tenho certeza de que valeu a pena.
E de que -apesar de todas as dificuldades-
sempre estará valendo.

Marco Angeli, fevereiro de 2009


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

DANIEL FILHO E A TV by Marco Angeli

Descobri aliviado, ao ver a Folha neste final de semana,
que não sou o único no mundo que não consegue
mais ver televisão.
Daniel Filho é diretor artístico da Globo Filmes,
cineasta respeitado, acaba de dirigir
Se Eu Fosse Vc 2, que já é a maior arrecadação da
retomada do cinema nacional.
Merecidamente, o filme é bacana, bem executado.



Trechos da coluna da Folha, onde ele fala
sobre a televisão brasileira:
Folha - Você já disse que a Globo tinha que mexer
na programação e afirmou que não vê mais TV.

Daniel - Nenhum programa na televisão me atrai, nenhum.
Eu não ligo a televisão.
É um cansaço meu, sei lá. Nem o Jornal Nacional eu preciso
ver mais. Eu leio jornal, a internet te bota no dia-a-dia do que
está acontecendo. Não sei o que você acha.
Mas eu acredito que, pela audiência que a TV tem tido, essa
sensação deve ser geral.
Eu vejo a audiência dos programas caindo. A TV já foi um
'must' nosso e hoje não é mais. Ficou meio morninha.
Não mexe mais com as pessoas, não vejo mais dizerem:
'Eu preciso ver isso.' Ñão vejo ninguém discutindo o
capítulo ou o programa do dia anterior. Eu vejo isso com
seriados americanos.

Folha - A TV ficou velha?
Daniel - Sem dúvida nenhuma. Eu não diria velha...
Eu ainda estava na televisão, em 1990, por aí, e já
percebia que, com os canais fechados, a TV aberta iria virar
o AM e a TV fechada seria o FM. Ou seja, a televisão
tendia a se popularizar mais. E houve isso.
Práticamente todas as famílias brasileiras têm hoje um
aparelho de televisão. Então, mudou o tipo de público.
Agora, é importante registrar:
Eu estou afastado (da TV). Portanto, eu não sei com
que público eles estão trabalhando, para quem estão
falando nem para quem desejam falar.

Folha - Nem o Fantástico, que ajudou a criar, você vê?
Daniel - O Fantástico perdeu a dimensão há muitos anos.
Perdeu. Era um programa que pertencia ao meu domingo e
que foi, pelas suas matérias, pela sua estrutura, me
tirando dele. Agora, eu só vou em baile que eu queira
entrar. A TV tem esse problema: você pode desligar.
Então eu não quero dar minha opinião porque eu não
sei com quem eles estão falando.
Eu sei que comigo eles não estão falando.
Tudo o que está sendo apresentado ali não me interessa.



O que Daniel deixou de dizer é que a televisão
brasileira é nivelada por baixo, muito baixo.
Não é difícil traçar um perfil do público com quem
eles imaginam que estão falando quando topo sem
querer com programas como o do gordo chato dos
domingos, a mediocridade imbecilizante dos BBB da
vida, as adrianes galisteu ou lucianas gimenez que
infestam as telinhas com suas futilidades e todo o resto.
Não assisto TV há muitos anos já.
Mas, sempre que topo com ela, desavisado,
tenho a incrível sensação de dejá vu.
Parece que nada mudou em tantos anos, tudo é
perfeitamente previsível, cansativo. Até as notícias.
A televisão, como a conhecemos, parece estar
se auto extinguindo, como um velho dinossauro.
E já vai tarde. Que repouse em paz.

Marco Angeli, fevereiro de 2009

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O PALHACINHO by Marco Angeli

Um textinho, de algum tempo atrás:

O palhacinho

Quase todos nós um dia, quando crianças,
ganhamos um palhacinho.
Felizes, vamos brincando com ele
 todos os dias, imersos naquela
felicidade por ter um pequeno amiguinho
 fiel ao nosso lado.
Naquela certeza de ser criança,
nosso poder é infinito, e sabemos
que o pequeno palhacinho estará alí sempre
 quando acordarmos, fiel
e mudo, companheirão para tudo.
Às vezes, judiamos um pouquinho dele.
 Devagar, arrancamos um de seus olhinhos...
no dia seguinte um bracinho...
mas tudo bem, ele não reclama nem pede
nada em troca, sempre feliz, apesar de mutilado...
Sentimos, como toda criança sempre sabe sentir,
 que ele nos ama, está alí sempre,
 para o que der e vier.
 Com o tempo aparece um brinquedo novo,
e a gente esquece
 o palhacinho num canto por alguns dias.
Afinal, ele sempre estará alí.
Quando o brinquedo novo nos cansa,
lembramos dele alí no canto,
e ele -quietinho- se aninha em nossos braços
 novamente, meio estropiado mas feliz.
Mais uma perninha arrancada, mais um bracinho...
mas tudo bem...afinal ele é o palhacinho,
 fiel, amável, infalível.
Até que um dia, finalmente, não há mais
o que arrancar dele.
Horrorizados, observamos aquele boneco disforme,
todo quebrado, e nos perguntamos como um dia
 pudemos gostar daquilo,
um palhacinho tão feio, tão culpado pela própria feiúra.
Como somos crianças e infalíveis,
jamais teríamos a menor dúvida
sobre aquela feiúra, aquela sujeira...a culpa é daquele
palhacinho, tão mais feio que os brinquedos novos,
tão mais...culpado.
Assim, o palhacinho vai para o lixo, ainda sorrindo,
ainda feliz, como lhe resta ser.
Se pudesse, pediria.
Se pudesse, imploraria para não ser jogado fora.
Mas não pode. É mudo.
Não tem mais braços para abraçar a criança que somos.
Não tem mais boca para dizer que ainda a ama.
Eles foram arrancados dele.
Mas seu coração...está na lata de lixo com ele.
 Ainda batendo.

Numa noite qualquer, muito tempo depois, cansados
dos brinquedos novos, tristes talvez por
uma razão ou outra, observamos o cantinho do
quarto -agora vazio- onde ele costumava estar sentado,
nos esperando.
E, finalmente, choramos.
 
Marco Angeli, para vc, janeiro de 2009




A figura do palhaço triste sempre me assombrou,
 desde criança.
Lembro ainda que, há muitos anos, visitava
de vez em quando minha tia, Norma Angeli,
num simpático apartamento que ela tinha
na Rua da Abolição, no centro de São Paulo.
Faladores os dois ficávamos até de madruga
em conversas que me ensinaram muito.
No entanto, não sei até hoje porque cargas d'água
 ela tinha bem no meio da sala, pregado na parede
como um fantasma onipresente,
que a tudo observava, uma dessas pinturas
de palhaço chorando
que foi moda entre alguns artistas malucos.
Essa pintura me incomodava tanto que nossas conversas
fatalmente continuavam e acabavam sempre na
cozinha,à salvo daquela imagem tristonha.
Essa imagem continua me assombrando, ainda.
Cria em mim, sempre e imediatamente uma sensação
forte de angústia, de despedida...de adeus.
Escrevi esse texto do palhacinho num desses
momentos tristes de minha vida,
e foi intuitivo, ele me veio à cabeça de repente,
completo, inteiro.
Talvez Freud explicasse.

À propósito, de Fernando Pessoa, enviado por Dai:

"Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras
 de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades
 que insisto em dizer brincando...
Falei, muitas vezes, como um palhaço,
 mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria"

É só.

Marco Angeli, março 2009