terça-feira, 21 de julho de 2009

A CARTA by Marco Angeli


Desenho os esboços para a série das bailarinas
e faço uma pausa necessária pra colocar as idéias
em ordem. Faço isso de vez em quando.
Enquanto aguardo, distraído, a lavagem do meu carro,
abro o Jornal da Tarde e continuo distraído, as coisas nesse
mundo que gira continuam a girar igualmente e da mesma
forma. Nóias que vendem e consomem crack no centro da cidade,
um pobre coitado que se atira do alto de um prédio por causa
de um incêndio, a gripe suína que agora faz com que os hospitais
tenham tendas pra separar os pacientes, o Luxemburgo que
será a tábua de salvação do Santos (?), ruas de Cotia sem luz
gerando cartas iradas dos moradores, dois assassinatos,
chamados de latrocínios, em menos de uma hora, o
Oscar Maroni -empresário falido das mocinhas alegres- que
tem sua prisão relaxada e sai mais uma vez da cadeia...
Enfim, nada de novo -tudo rolando como sempre.
Ainda distraído, de repente topo com uma notícia que me
desperta e me remete imediatamente para uma fábula antiga,
que dizia que mesmo naquela imensidão de concreto das
metrópoles, uma pequena fissura era capaz de gerar vida, na
forma de uma pequena plantinha que alí nascia, desafiando
o cimento cruel.


Steve Smith, o cara...e Carmem, separados

A notícia é ingênua, romântica, e tem um destaque bacana
no jornal em meio àquela barafunda toda.
O seguinte:
Em 1992, o inglês Steve Smith e a espanhola Carmem Ruiz Pérez
se conheceram e se apaixonaram. Tinham 25 anos então.
Se conheceram em Devon, onde Carmem foi estudar inglês,
e viveram um ano juntos.
Houve nesse momento um desentendimento entre os dois e Carmem
resolveu ir pra Paris, trabalhar numa loja.
Perderam o contato e nessa época não haviam muitos celulares
nem e-mails. O jeito era esquecer.
Mas Steve não esqueceu.
Seis anos depois, apaixonado ainda e sem contato algum
com Carmem, tentou o caminho tradicional:
escreveu pra ela uma carta, declarando seu amor.
Enviou a carta para a mãe de Carmem.
A carta chegou ao seu destino, foi colocada pela mãe da moça
numa estante e...
Escorregou pra trás dela, onde práticamente sumiu. Ficou esquecida
por dez longos anos.
Ten years after, a cartinha foi finalmente encontrada durante
uma reforma, e entregue à Carmem.


A carta, nas mãos de Carmem

Nela, Steve havia colocado um número de telefone para que ela
ligasse, se quisesse. Ela relutou, nervosa, agora aos 42 anos,
mas ainda solteira.
Na cartinha, Steve dizia, entre outras coisas:
(...)"Escrevo só para perguntar se vc se casou e se ainda pensa
em mim. Seria maravilhoso saber de você."(...)
Sim, Carmem ainda pensava em Steve. E ligou.
Dias depois, se reencontraram em Paris, emocionados,
para descobrir que a paixão entre eles estava intacta, mesmo
depois desse tempo todo.
Nenhum deles havia se casado.


Extraído do Jornal da Tarde de 21 de julho de 2009

No último dia 17, em Brixham, o mesmo condado onde
se conheceram há 17 anos, a cartinha os uniu
definitivamente. Casaram-se, felizes.
A imagem dos dois juntos, por si só, é expressiva
o suficiente. E bacana pra caramba!
Se vocês me criticarem pela ingenuidade da histórinha,
ou acharem que é muito pueril...pensem um pouco.
Talvez seja disso mesmo que este nosso mundo caótico
precise. Talvez...
O que prova definitivamente que a plantinha frágil, nesse
mundo cruel de concreto, ainda sobrevive,
feliz da vida...desde que exista uma pequena fissura.
Uma pequena chance para uma coisa muito grande que é a vida.
Uma cartinha.

Marco Angeli, julho de 2009, acreditando ainda
Para Monica

Um comentário:

  1. Li essa notícia fiquei pensando, acho que até viajei um pouco, Aqui em Jei não tem Correio,devem abrir uma agência dentro de alguns dias. Pensei em levar as 12 crianças que passam pela minha casa diariamente, para conhecerem e escreverem algo para alguém e postarem ou até mesmo escreverem entre eles mesmos. Acho que vai ser uma experiência interessante para eles que vivem ilhados aqui.

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