domingo, 9 de maio de 2010

CARTA PRA MINHA MÃE by João Barboza

Eu pensava, hoje, em escrever sobre minha mãe.
Ou para ela.
Mas encontrei o texto de João Barboza, e de repente
entendi que esse texto expressava, com muito mais eloquência
do que eu conseguiria, o que se passava dentro de mim.
Assim, aí vai, muito bonito e assombrosamente 
parecida com as histórias de muitos de nós:


 
Carta prá minha Mãe
quarta, 7 de abril de 2010 às 12:42

"Mãe, faz tempo , que eu só converso com você em pensamento,
 afinal já faz vinte anos que o tempo nos separou.
 E eu lutei muito para me separar daquela imagem tua
 no hospital A.C.Camargo em que sua partida era iminente.
 Você tava pálida e ainda conseguiu sorrir.
Eu chorei, por dentro e saí, porque eu sabia, que era o
seu último sorriso prá mim.
 E posso te dizer, como o apresentador, passou um
 filme na minha cabeça...
E nele você, representava todos os papéis, e principalmente de
heroína, mas não essas heroínas de mentira,
 que a gente acredita, mas uma heroína do lado dos
 perdedores, dos desvalidos.
 Eu me lembro de episódios seus, capítulos portanto de um
 dramalhão baiano, que você foi prejudicada e nunca perdeu
a altivez, a categoria, retribuiu com sua história e seu lema maior
 " Fazer o bem, sem olhar a quem ".
 E todos os seus ensinamentos eram em rima, como um cordelista,
 e isso nos divertia.
 Quando não queria que a gente saísse à noite, soltava um
 " Boa romaria faz, quem na sua casa fica em paz. "
 Quando era pra gente pensar nos nossos atos:
 " Cabeça de barco, não tem tutano."
E por aí, nos educava em sua pedagogia do oprimido,
mesmo sem saber do Paulo.
No ritual do enterro fiquei equidistante, procurando me isolar
daquela pantomima tétrica.
 O que era aquele corpo envolvido em flores?
 Você nem gostava de flôres fora do jardim... Admirava-as
 no pé de flor. Fora, achava burragem...
Gostava de pássaros, bichos,flores, mas cada um no seu cada qual.
 E se relacionava com todos os seres de forma admirável.
Lembra, que vc me contava da vez que teve uma gincana,
 em Marilia, e vc louca, quis ganhar uma saca de café e topou
 carregá-la nas costas... Sobre patins.
 Quase morre ou quebra as duas pernas.Mas ria do tombo.
 E enalteço a coragem,
que eu vc sabe que sou frouxo prá essas coisas.
Vc sabe,Mãe, que vc quase me deixa um trauma.
Quando eu escrevia estórias nos cadernos e vc na sua
 franqueza,dizia: - Largue dessa frescura e arruma um serviço.
E eu insistia em querer mostrar as coisas que eu escrevia,
falando das coisas do meus avós.
Vc dizia que era burragem, eguagem,jumentagem.E ria.
 Na verdade, vc não tava me proibindo, tava me alertando
que a poesia não dá camisa e nós precisávamos de mais gente
 trabalhando prá poder comer...Eu entendi.
Passado, muitos anos, eu agora pai, parece que eu tinha uma calota
protetora dessa burragem, e agora me valho dela
 para resgatar aquelas estórias, que contraditoriamente,
 vc fazia questão de me contar, nos fins de tarde.
É claro, que não as conto,com todo seu brilhantismo,
mas as estórias são tão boas, que o povo lê e tá gostando.
 E eu,enxerido, sigo, me apropriando desse patrimônio
que me deixaste,sua alegria.
.......................................................................
Eu convivo com algumas adesões, que o tempo me permitiu,
aos cincoenta anos, tenho uma pressão arterial, que não mais minha,
 ja que a regulo quimicamente, prá fugir de um enfarte.
Tenho uma barriga indecente, pros padrões hedonistas
 e de saúde,e continuo preguiçoso prá fazer esportes.
Cada vez que escrevo te ressuscito,
 para poder fazer coautora dessas burragens que cometo.
Eu precisava te dizer isso. Sua bença."

João Barboza
joaobarboz@gmail.com,
joaobarboz@hotmail.com

2 comentários:

  1. Que linda carta...
    Para mim, já faz 4 anos, que ela se foi...
    Até hoje sinto imensa falta...
    Quanto mais o tempo passa, mais saudades eu sinto..
    Mas, não consigo sequer escrever uma linha.
    Acho que a culpo, por ela ter me deixado...
    Assim, que eu sinto...
    Sua falta...
    A falta de seu olhar, de suas palavras, de seu abraço, de seus conselhos...
    As vezes , me sinto tão só e desemparada...sem ter para onde ir...
    Sem ter seu colo...

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  2. Lindo, uma pena que a vida seja assim...escrevemos para o outro falando o que sentimos somente depois que ele não consegue mais ler....estou chorando

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