quinta-feira, 11 de junho de 2009

DEBORA FALA RESERVADAMENTE by Angeli


Debora Fala Reservadamente Com Todos é o primeiro
livro de Ivy Knijnik.
Me caiu nas mãos por acaso, mas me interessou imediatamente.
Sou um observador inveterado e teimoso do ser humano
e isso me ajudou, como artista, a retratar e colocar numa tela
vazia o resultado dessa observação contínua, automática.
Não há quem, conscientemente, não sinta o efeito avassalador
que a net causou no comportamento humano. E com uma rapidez
incrível, sem possibilidade alguma de recuo.



O relacionamento profissional, o amor, a amizade, o ódio,
nosso posicionamento diante do mundo e das pessoas, tudo
mudou e muda o tempo todo, alavancados pelos e-mails, pelos chats,
pelos sites de relacionamento, pelos perfis públicos, onde todos
sabem tudo sobre todos. E, em alguns casos, mais alguma coisa.
O que está exposto na net é uma ponta do iceberg, mas
comoi dizia minha avó, sábia: 'pra bom entendedor...'
O livro de Knijnik fala sobre o relacionamento
de uma mulher -Debora- com esse mundo.



De como ela lida com ele, se vicia nele, se desespera
com ele. Como deixa de viver por causa dele - e de como vive
intensamente por causa dele.
De como seus pés, lentamente, vão saindo do chão dentro dos
chats da vida e a dura tomada de consciência que a
faz retornar, mudada definitivamente, ao solo.
Não é uma história nova, talvez nem ao menos seja original,
vemos o tempo todo textos e textos de psicógos e sociólogos
alarmados com as consequências da net em nossas vidas.
Mas Ivy consegue nos cativar pelo mergulho intenso na alma,
nos desejos e contradições dessa mulher que acaba sendo
no seu livro mais do que um personagem.



Acaba sendo um espelho, fatalmente, de quem o lê.
Debora Fala Reservadamente é uma ficção, mas poderia
perfeitamente ser uma biografia ou uma autobiografia.
Os amores distantes, os corações separados, e a desesperada
tentativa de contato, de palavras de conforto, também são
tão antigas quanto o homem, e tão verdadeiras.
Eça de Queirós, por exemplo, que nem sonhava com
e-mails e afins, se irritava com a demora dos correios de então
em levar as cartas que escrevia e eram destinadas à sua amada
distante, Emilia de Castro Pamplona.
A esposa do samurai Kimura Shiguenari, no longínquo ano
de 1615, despede-se por carta do marido que lutava no cerco
de Osaka. Prevendo a morte do amado, ela o comunica que decide
se suicidar, assim podendo se juntar ao seu amor eterno.
O escritor Franz Kafka, durão, escrevia para sua amada Felice Bauer
e num primeiro momento a liberou de responder suas cartas.
Depois, arrependido, voltou atrás.



Os sentimentos, como se vê, são universais e atemporais.
Como Olavo Bilac se relacionaria com Amélia de Oliveira, para quem
escrevia tantas e longas cartas, se tivesse à sua disposição orkut,
messenger e chat para falar com ela, estivesse onde estivesse?
Não sabemos, mas não é difícil de imaginar.
Ou Victor Hugo, descabelado, escrevendo à Adélia Foucher:
"Havia perdido, Adélia, o hábito da felicidade.
Provei, ao ler teu bilhete bastante curto, toda a alegria da qual
estive privado há quase um ano.
A certeza de ser amado por ti me tirou violentamente da minha longa
apatia. Estou quase feliz. Procuro expressões para te explicar minha
felicidade, a ti que é a causa dela, e não as posso encontrar.
Entretanto, tenho necessidade de te escrever."

Nada muda, básicamente, no coração dos homens, desde
que o primeiro se declarou à sua amada com desenhos toscos na
parede de uma caverna qualquer.
Mas tudo mudou, e rápidamente demais, na maneira de se
comunicar. Mudou a quantidade de amados e amadas, a facilidade
de se comunicar, a distância encurtada brutalmente para zero,
e o gosto inevitável do 'fast food' dos chats e dos orkuts da vida.
E o 'eu te amo' que acabou virando carimbo.
Nenhum de nós, claro, se arriscará a opinar se isso é bom ou ruim.
Mas o que acaba acontecendo, afinal, com a cabeça das pessoas?
Esse é o ponto. E isso é o que o livro de Ivy Knijnik tem de mais brilhante.
Ela não opina, mas nos leva á um passeio cruel, às vezes
devastador, às vezes encantador e sublime, pela alma de Debora,
enrolada e perdida nesse processo.


A autora de Debora Fala Reservadamente..., Ivy Knijnik

O reencontro da personagem consigo mesma Ivy deixa à cargo
da própria Debora, como não poderia deixar de ser.
E deixa para nós, leitores, a reflexão sobre nosso próprio
personagem. Nosso próprio 'nick'.

Na verdade, tenho que confessar que o livro de Ivy
me fez mais do que refletir, acabou sendo um espelho de
uma realidade que eu mesmo vivi, integralmente.
Relutei em colocar este post em meu blog, mas afinal decidi
que, se não era necessário, ao menos serviria para que
pudéssemos refletir sobre tudo isso. Hoje tenho certeza disso.
Independentemente dos meios que usamos e temos hoje,
celulares, net, chat, orkut, myspace, e-mail...nosso coração
ainda bate da mesma forma que batia há 5.000 anos...e
sente igualmente. Não somos e jamais seremos diferentes do
pobre Victor Hugo, descabelado de amor.
O que nos resta é administrar isso.

Marco Angeli, junho de 2009

3 comentários:

  1. O que escreví há um tempo atrás, tem um pouco do sentimento desta postagem e, como estamos todos neste grande barco da vida, deixo para que as pessoas possam avaliá-lo por si mesmo:

    "Saí para me buscar e quando voltei eu não estava mais aqui"

    Trata-se das buscas desencontradas que se faz de si mesmo. Exterioriza-se anseios sem se dar conta de que, nem sempre há o que se achar lá longe. As inquietações, muitas vêzes, estão ligadas àquilo que foi desejado e não vivenciado. O inconsciente quando fica repleto de tantos sonhos,solta-os como bôlhas de ar para se recompor assumindo novamente o seu papel de baú de memórias fragmentadas.

    elisa

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  2. conheci a ivy há um tempo. para nós, o tempo é algo meramente convencional. parece que nos conhecemos de outras vidas, de outras lides...

    a empatia que tive com Debora falar reservadamente foi imediata. recebi da própria ivy um exemplar, autografado. entrei no metrô da estação consolação, não conseguia parar de ler. entrei no ônibus para Santos, não conseguia parar de ler. fui dormir tarde aquela noite, porque não conseguia parar de ler. fui hipnotizado pelas histórias, que tecem um fio tênue de realidade e ficção, de medo e ousadia, de angústia e euforia. fui devorado pelo livro, pelas personagens, e confesso que mergulhei em mim mesmo.

    tempo depois, emprestei-o a uma colega professora, que se disse totalmente absorta pelas passagens reais em sua eloquente virtualidade.

    Debora continua falando reservadamente com todos nós.

    Santi

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  3. Marco, voce tinha razão....

    Fascinante, adorei o Post, e entendi...
    Vou ler rapidinho tá?

    Daniela Camargo

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