sexta-feira, 5 de junho de 2009

DAVID CARRADINE, KUNG FU by Marco Angeli


Algumas séries ficam para sempre, marcam uma época.
Lembro, quando pequeno, das tardes de domingo com
'Perdidos no Espaço' na Record, patrocínio dos chocolates
Suchard. Em preto e branco.
Apesar dos fiozinhos de náilon segurando as maquetinhas
das naves, cada episódio com o Dr. Smith era uma viagem.
Outro clássico e inesquecível era Quinta Dimensão,
recheado de mistérios, UFOS e dilemas sobrenaturais
jamais resolvidos.
Ou 'O Fugitivo', em cada episódio uma busca angustiante
pela verdade...que se encontrada fatalmente acabaria
com a série...mas mesmo assim seu sucesso
era enorme, ninguém perdia um único episódio.
Bonanza, ou os episódios do cínico Hitchcock que tinha uma
vinhetinha de abertura com um corvo negro...essas séries
fizeram a história da TV e ensinaram muita gente a
fazer cinema...
Um pouco mais tarde, em 1972, foi a vez de Kung Fu
-inesquecível- com David Carradine interpretando o chinês
Kwai Chang Caine, que vagava pelo velho oeste americano.


Carradine em Kill Bill, de Tarantino
Fiz esta ilustração de forma inteiramente digital:
Tablet Trust, Photoshop CS4.


O que me intrigava era o fato de terem escolhido um ator
americano, e ainda por cima loiro, pra fazer o papel de um chinês,
mas Carradine interpretava a coisa de tal forma que
a gente quase se esquecia disso.




Carradine em 1972: Kung Fu

Aliás, seu personagem quase não falava em cena, o
que era uma vantagem gigantesca, já que a dublagem
era péssima. Ele contrapunha o oriental que observava,
refletia, em contraste com o ocidental falastrão,
culturalmente em desvantagem mas sempre violento
e mais forte.
Na verdade havia um certo charme no fato de um ator
visívelmente americano interpretar Caine, já que no seriado
sua origem era nebulosa, vaga...e remetia caras como eu,
sempre ruminando, a deduzir que sua origem talvez
fosse uma mistura de raças, talvez Caine fosse uma mistura
de ocidental-oriental, o que tornava as coisas mais
interessantes naquele contexto...



Carradine já era um ator conhecido e muito, nessa época, por
papéis em 'The Virginian', de 1964, por participações no
próprio "The Alfred Hitchcock Hour", em 1965,
ou 'Shane', em 1966 e 'Gunsmoke' em 1971.
Em 1972, quando foi lançada a série 'Kung Fu', Carradine
já havia participado de mais de 20 longas metragens,
fora as participações na TV.
Como transformar um ator típicamente americano e
conhecido num chinês e fazer disso um sucesso?
Esse foi o segredo e a razão de 'Kung Fu' ter se
transformado na interpretação pela qual Carradine sempre
seria reconhecido, a identificação que criou com o personagem,
ele próprio treinando
artes marciais e estudando a fundo a cultura oriental.


Carradine, o Bill de Kill Bill, onde contracena com Uma Thurman

Há pouco tempo, na biografia de Bruce Lee, descobri por
acaso que a idéia original para a série foi de Lee, que chegou
a convencer os produtores a realizá-la.
Lee, no entanto, acabou perdendo o papel de Caine,
que óbviamente queria para si mesmo, numa briga com os
mesmos produtores, que acabaram contratando Carradine.
'Kung Fu' teve 45 episódios e durou até 1975.
Um sucesso.


David Carradine foi encontrado morto no dia 4 de junho,
num hotel em Bangcoc, na Tailândia, onde participava
da filmagem de
'Stretch'.
Como foi encontrado com uma corda em torno do pescoço
e ao penis, a hipótese inicial divulgada às pressas pela polícia
local foi a de suicídio, mas parece totalmente descartada
após o depoimento de seu agente e de todos os seus colegas de
trabalho, além de uma análise mais inteligente
das condições em que foi encontrado.
Ao que tudo parece indicar Carradine estava no meio
de uma relação sexual...irada...quando faleceu.
Pelo homem que foi, prefiro acreditar que foi assim.
Carradine morreu como viveu: sendo criativo.



O lado pouco conhecido de Carradine é o da música.
Começou a tocar piano aos 6 anos de idade, e à seguir
estudou teoria musical e composição no
San Francisco State College. Além do piano Carradine
tocava guitarra, flauta, clarinete, saxofone e cítara.
Carradine nunca abandonou sua música, que ele
mesmo chamava de 'White Blues' ou 'Black Country",
apesar da profissão de ator.


A música de Carradine, escute

Frequentemente excursionava com suas bandas,
a 'The Cosmic Rescue Team' ou a 'Soul Dog'.
A carreira como ator não entusiasmava muito Carradine, que
tinha críticas ácidas e constantes à Hollywwod. O que
gostava mesmo de fazer era música, e por aí compôs mais
de 100 canções e excursionou por todo os EUA.
Declarou, inclusive, que não importava como, o importante
era colocar a criatividade que tinha para fora, para o mundo.
'Como ator, sou um ícone, dizia, mas ninguém realmente me
conhecerá sem me ver tocando guitarra ou piano.
Sou um homem e sou uma canção, e ela é muito boa, também.'

Realmente Carradine levava à sério o lance de colocar pra fora
a criatividade...porque desenhava e pintava também, e
arrisco dizer, como grande parte da crítica norte americana,
que esse trabalho era muito bom.






Desenhos e pinturas de Carradine

Carradine, infelizmente, viveu apenas 72 anos, e como se pode
ver, pouco pra fazer o que veio fazer.



Mas a imagem de Caine e sua flauta de bambu permanecerão,
como uma pintura, como uma música inesquecível.
Guardadas em nossa história.

Em tempo: uma das paixões de Carradine era andar de
moto, a 'bike'. Acham mesmo que um
cara desses se suicidaria? Difícil...bem improvável mesmo.

Sou meio suspeito e completamente parcial nessa
opinião, mas vale assim mesmo.


Marco Angeli, junho de 2009  

Um comentário:

  1. Entre as imagens que ficaram do Kung-Fu, tenho uma muito engraçada e emblemática. Algo que redundaria mais tarde numa espécie de "Die-Hard".
    O "gafanhoto" é aprisionado numa micro-jaula, feita de amianto ou zinco, no meio do deserto do Arizona. Ela é tão pequena quanto uma casinha de cachorro, tão pequena que o pequeno monge só pode ficar em posição de lótus, sob o sol abrasador.
    A morte era certa. Mas o "gafanhoto" fechou seus olhos e permaneceu em - profunda - meditação. Por dias.
    Quando depois de muito tempo alguém abre o alçapão esperando só encontrar o esqueleto do monge, ele sai lépido e fagueiro, sem uma gota de suor, bate a poeira do chapéu e caminha, sem nem pedir um gole de água.
    Na verdade, a qualquer momento você espera que David Carradine olhe para a câmara e peça:

    - Farofa, please!

    ResponderExcluir