quinta-feira, 26 de março de 2009

SPIRIT by Marco Angeli


As histórias em quadrinhos sempre fizeram parte
de minha vida, desde sempre.
E de minha formação, principalmente visual.
Meus primeiros desenhos foram hqs que eu criava e desenhava,
ainda pequeno.
Inesquecível a sensação de orgulho pela enorme coleção
que eu tinha e que trocava com os amigos, num ritual
sempre excitante e mágico ao descobrir e conseguir
uma edição de Batman ou Homem Aranha que ainda não havia lido.
O tempo passou e essa paixão jamais me abandonou,
foi fazendo parte de minha formação profissional.
Ganhei do Duran -o fotógrafo- a edição
original em italiano da
Balada do Mar Salgado, com Corto Maltese, criado
e desenhado por Hugo Pratt, em um de meus aniversários.
Foi um dos presentes mais bacanas que já recebi,
e óbvio que tenho esse álbum guardado em minha coleção.
As HQs são, na realidade, a base da formação
de qualquer fotógrafo ou cineasta que se preze.
Basta ver a parceria de Fellini com Milo Manara, por exemplo,
ambos italianos, um cineasta e outro autor de HQ.
Quando desenhadas por gênios como Hugo Pratt, por
exemplo, são uma aula de enquadramento, de
exploração de planos, de storyboard.
Ou de como contar uma história sequencialmente.
Dizem, inclusive, que Will Eisner, o criador de Spirit,
é o pai da arte sequencial nos quadrinhos.


Will Eisner por ele mesmo, desenhando o Spirit

Mais tarde, em minha vida, entraram na minha coleção
artistas como Milo Manara, Gilbert Sheldon (pai dos
geniais Freak Brothers), Moebius, Robert Crumb, Serpieri
(com aquela maravilhosa Druuna),
Bernet (o inesquecível e sem caráter Torpedo 1936),
Guido Crepax com sua Valentina, Altuna,
Alex Varenne, Hugo Pratt e Corto Maltese,
Harold Foster e seu Príncipe Valente cinematográfico,
e muitos outros, como Carl Barks, pai do Tio Patinhas
da Disney...o mais genial.
Entre eles, Will Eisner e o Spirit.


O trabalho de Eisner é considerado um dos mais importantes
da história das HQs no mundo.
Sócio de Bob Kane -o criador de Batman- e Jack Kirby,
criou o Spirit e o publicou pela primeira vez em 2 de junho de 1940.
Enquadramentos cinematográficos, uso genial de luz e sombra,
e uma técnica narrativa inédita nas HQs da época fazem
de Spirit uma obra sem igual no mundo.
Todo o trabalho de Eisner, incluindo-se aí o Spirit,
é voltado sempre para o aspecto humano de seus
personagens, e sua ambiguidade inerente.


Sasha's Sax, publicado originalmente em 1942

Spirit é um herói sem super poderes óbvios e
de origem misteriosa, com uma fraqueza crônica por
belas mulheres -ou elas tem uma fraqueza por ele- e sua
conduta nem sempre é ética ou políticamente correta.
Não raramente Eisner enveredava por uma dissecação
psicológica dos personagens que circulavam ao redor
de Spirit, principalmente vilões e mulheres, em
especial Sand Saref, a mulher da vida do personagem e
frequentemente a pedra em seu sapato.



Sand Saref, heroína, vilã e a
eterna femme fatale na vida do Spirit

Will Eisner parou com o Spirit em 28 de setembro de 1952,
quando foi publicada a sua última tira dominical.
Eisner fundou a American Visuals Corporation e em 1978 criou
o maravilhoso álbum A Contract With God, considerada a primeira
graphic novel do gênero, que conta quatro histórias da vida no
Bronx nos anos 30.



Capa e desenho de Eisner para City, álbum posterior à Spirit.
Quase se pode sentir a camera descendo lentamente
para os personagens, o casal.
Note-se que nem se sonhava com computadores
na época, os desenhos eram esboçados sobre papel
e finalizados, no caso, à nankim, com
bico de pena ou pincel.
Meu trabalho tem óbviamente uma influência grande
de Will Eisner, especialmente as cidades.


Esboço original de Eisner para Spirit

O trabalho de Eisner foi decisivo para colocar as HQs como
um entretenimento não apenas para crianças, mas
com enfoque e abordagem para adultos.
Em 1988 a indústria de HQs criou o Prêmio Will Eisner,
considerado o mais importante do mundo no gênero.

SPIRIT, O FILME

Spirit foi pouco publicado no Brasil e consequentemente
pouco conhecido, exceto pelos amantes da HQ.
O filme em cartaz agora, produzido em 2008,
provávelmente passará desapercebido por aqui,
me parece.



Tem o roteiro e direção de Frank Miller, que dirigiu também
300 e Sin City, com um foco evidente na linguagem
das HQs. A qualidade da fotografia é indiscutível em todos
os trabalhos de Miller, e é assim em Spirit.



Spirit é uma fusão bem sucedida dessas
duas linguagens, a cinematográfica e a dos
quadrinhos, e o resultado é fantástico.
O respeito de Miller pelo autor original é absoluto,
e em alguns momentos o ator Gabriel Macht, que
interpreta Spirit, consegue uma identificação
perfeita com o desenho original, com seus
tiques e expressões.
O ambiente sombrio e noir dos desenhos de Eisner
também se mantém no filme, perfeitos.
E as mulheres...ninguém mais perfeita para o papel
de Sand Saref, fatal, do que Eva Mendes...ou Sarah Paulson
para o de Ellen Dolan.



Eva Mendes, sexysexy como Sand Saref


Sarah Paulson, bonitinha como Ellen Dolan

E o vilão...que quase consegue roubar a cena completamente,
como nos Batman, é Samuel L. Jackson,
inigualável como Octopus, dividido entre o bem e mal,
o sublime e o grotesco.


Samuel L. Jackson, Octopus...divertido

Dualidade que sempre existiu nos quadrinhos de Eisner,
e mantida no filme impecávelmente.
Spirit não é um filme para o grande público que espera
ação, monstros se estilhaçando e efeitos especiais
estonteantes. É preciso uma certa dose de conhecimento para
apreciar suas sutilezas, sua fotografia, etc.
Mas é maravilhoso para quem tem sensibilidade para isso.
Assisti ao filme com meu filho, que gostou muito, também.


O trailer de Spirit

No final, parados na fila do estacionamento ele escutava
os comentários das pessoas à sua frente que também
saiam da mesma sala, do mesmo filme.
Eram dois rapazes de cabelo-cortado-quadrado-na-nuca,
que acharam o filme uma total perda de tempo.
Honestamente -talvez por puro preconceito- sempre tive
uma dificuldade grande em avaliar a capacidade mental dos
caras com o cabelo-cortado-quadrado-na-nuca, ou a
validade de suas opiniões.
Enfim, acho que cabelo-cortado-quadrado-na-nuca só fica
bem mesmo no Will Smith, isso porque ele pode
colocar o que quiser na cabeça. O resto...
Enfim, vale assistir Spirit.
Vamos nessa.

Marco Angeli, março de 2009

3 comentários:

  1. Esta postagem provocou em mim doces lembranças de minha infância onde, entre tantas coisas, os gibis também fizeram parte daquêle universo. Lembrei-me do Mandrake, do Fantasma, da Luluzinha, Huguinho, Zezinho e Luizinho, etc. Também fizeram parte deste gostar, fossem das HQs ou das tiras: Charlie Brow, Asterix, etc., mas, entre tantos meu coração apertou quando lembrei-me dos "meus" Fradinhos...
    Fragmentos da memória de um tempo em que a esperança brotava, todos os dias, intensamente.

    "Se não houver frutos
    Valeu a beleza das flores
    Se não houver flores
    Valeu a sombra das folhas
    Se não houver folhas
    Valeu a intenção da semente"

    Henfil

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  2. Perfeita a postagem, Spirit tambem é nome de um desenho, » Sinopse: Spirit é um cavalo que resiste ser domado pelo homem durante o século XVII, no velho oeste americano. Ele vê, junto com seu amigo índio Lakota e a égua Chuva, as tranformações que a colonização do homem influencia no seu cotidiano. Indicado ao Oscar de Melhor Animação.

    Claro que é um desenho infantil nada a ver.


    Estranho vc não saber disso.

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  3. Fui ver a exposição de Will Eisner, extraordinário quadrinista americano. É emocionante perceber o enorme talento, a sensibilidade nos traços irretocáveis e na composição inteligente das HQs. Para não correr o risco de ser confundida com alguém de cabelo-cortado-quadrado-na-nuca, literalmente copiei este pequeno trecho do "O Complô - História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião."

    "Sempre que um grupo de pessoas é ensinado a odiar outro grupo, inventa-se uma mentira para insuflar o ódio e justificar um complô. É fácil encontrar o alvo porque o inimigo é sempre o outro." - Will Eisner

    Pelo que entendi Will Eisner era judeu, mas independente de raças, de credos religiosos, o que sempre nos falta é a sabedoria.

    elisa

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