Um textinho, de algum tempo atrás:
O palhacinho
Quase todos nós um dia, quando crianças,
ganhamos um palhacinho.
Felizes, vamos brincando com ele
todos os dias, imersos naquela
felicidade por ter um pequeno amiguinho
fiel ao nosso lado.
Naquela certeza de ser criança,
nosso poder é infinito, e sabemos
que o pequeno palhacinho estará alí sempre
quando acordarmos, fiel
e mudo, companheirão para tudo.
Às vezes, judiamos um pouquinho dele.
Devagar, arrancamos um de seus olhinhos...
no dia seguinte um bracinho...
mas tudo bem, ele não reclama nem pede
nada em troca, sempre feliz, apesar de mutilado...
Sentimos, como toda criança sempre sabe sentir,
que ele nos ama, está alí sempre,
para o que der e vier.
Com o tempo aparece um brinquedo novo,
e a gente esquece
o palhacinho num canto por alguns dias.
Afinal, ele sempre estará alí.
Quando o brinquedo novo nos cansa,
lembramos dele alí no canto,
e ele -quietinho- se aninha em nossos braços
novamente, meio estropiado mas feliz.
Mais uma perninha arrancada, mais um bracinho...
mas tudo bem...afinal ele é o palhacinho,
fiel, amável, infalível.
Até que um dia, finalmente, não há mais
o que arrancar dele.
Horrorizados, observamos aquele boneco disforme,
todo quebrado, e nos perguntamos como um dia
pudemos gostar daquilo,
um palhacinho tão feio, tão culpado pela própria feiúra.
Como somos crianças e infalíveis,
jamais teríamos a menor dúvida
sobre aquela feiúra, aquela sujeira...a culpa é daquele
palhacinho, tão mais feio que os brinquedos novos,
tão mais...culpado.
Assim, o palhacinho vai para o lixo, ainda sorrindo,
ainda feliz, como lhe resta ser.
Se pudesse, pediria.
Se pudesse, imploraria para não ser jogado fora.
Mas não pode. É mudo.
Não tem mais braços para abraçar a criança que somos.
Não tem mais boca para dizer que ainda a ama.
Eles foram arrancados dele.
Mas seu coração...está na lata de lixo com ele.
Ainda batendo.
Numa noite qualquer, muito tempo depois, cansados
dos brinquedos novos, tristes talvez por
uma razão ou outra, observamos o cantinho do
quarto -agora vazio- onde ele costumava estar sentado,
nos esperando.
E, finalmente, choramos.
Marco Angeli, para vc, janeiro de 2009
A figura do palhaço triste sempre me assombrou,
desde criança.
Lembro ainda que, há muitos anos, visitava
de vez em quando minha tia, Norma Angeli,
num simpático apartamento que ela tinha
na Rua da Abolição, no centro de São Paulo.
Faladores os dois ficávamos até de madruga
em conversas que me ensinaram muito.
No entanto, não sei até hoje porque cargas d'água
ela tinha bem no meio da sala, pregado na parede
como um fantasma onipresente,
que a tudo observava, uma dessas pinturas
de palhaço chorando
que foi moda entre alguns artistas malucos.
Essa pintura me incomodava tanto que nossas conversas
fatalmente continuavam e acabavam sempre na
cozinha,à salvo daquela imagem tristonha.
Essa imagem continua me assombrando, ainda.
Cria em mim, sempre e imediatamente uma sensação
forte de angústia, de despedida...de adeus.
Escrevi esse texto do palhacinho num desses
momentos tristes de minha vida,
e foi intuitivo, ele me veio à cabeça de repente,
completo, inteiro.
Talvez Freud explicasse.
À propósito, de Fernando Pessoa, enviado por Dai:
"Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras
de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades
que insisto em dizer brincando...
Falei, muitas vezes, como um palhaço,
mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria"
É só.
Marco Angeli, março 2009
O palhacinho
Quase todos nós um dia, quando crianças,
ganhamos um palhacinho.
Felizes, vamos brincando com ele
todos os dias, imersos naquela
felicidade por ter um pequeno amiguinho
fiel ao nosso lado.
Naquela certeza de ser criança,
nosso poder é infinito, e sabemos
que o pequeno palhacinho estará alí sempre
quando acordarmos, fiel
e mudo, companheirão para tudo.
Às vezes, judiamos um pouquinho dele.
Devagar, arrancamos um de seus olhinhos...
no dia seguinte um bracinho...
mas tudo bem, ele não reclama nem pede
nada em troca, sempre feliz, apesar de mutilado...
Sentimos, como toda criança sempre sabe sentir,
que ele nos ama, está alí sempre,
para o que der e vier.
Com o tempo aparece um brinquedo novo,
e a gente esquece
o palhacinho num canto por alguns dias.
Afinal, ele sempre estará alí.
Quando o brinquedo novo nos cansa,
lembramos dele alí no canto,
e ele -quietinho- se aninha em nossos braços
novamente, meio estropiado mas feliz.
Mais uma perninha arrancada, mais um bracinho...
mas tudo bem...afinal ele é o palhacinho,
fiel, amável, infalível.
Até que um dia, finalmente, não há mais
o que arrancar dele.
Horrorizados, observamos aquele boneco disforme,
todo quebrado, e nos perguntamos como um dia
pudemos gostar daquilo,
um palhacinho tão feio, tão culpado pela própria feiúra.
Como somos crianças e infalíveis,
jamais teríamos a menor dúvida
sobre aquela feiúra, aquela sujeira...a culpa é daquele
palhacinho, tão mais feio que os brinquedos novos,
tão mais...culpado.
Assim, o palhacinho vai para o lixo, ainda sorrindo,
ainda feliz, como lhe resta ser.
Se pudesse, pediria.
Se pudesse, imploraria para não ser jogado fora.
Mas não pode. É mudo.
Não tem mais braços para abraçar a criança que somos.
Não tem mais boca para dizer que ainda a ama.
Eles foram arrancados dele.
Mas seu coração...está na lata de lixo com ele.
Ainda batendo.
Numa noite qualquer, muito tempo depois, cansados
dos brinquedos novos, tristes talvez por
uma razão ou outra, observamos o cantinho do
quarto -agora vazio- onde ele costumava estar sentado,
nos esperando.
E, finalmente, choramos.
Marco Angeli, para vc, janeiro de 2009
A figura do palhaço triste sempre me assombrou,
desde criança.
Lembro ainda que, há muitos anos, visitava
de vez em quando minha tia, Norma Angeli,
num simpático apartamento que ela tinha
na Rua da Abolição, no centro de São Paulo.
Faladores os dois ficávamos até de madruga
em conversas que me ensinaram muito.
No entanto, não sei até hoje porque cargas d'água
ela tinha bem no meio da sala, pregado na parede
como um fantasma onipresente,
que a tudo observava, uma dessas pinturas
de palhaço chorando
que foi moda entre alguns artistas malucos.
Essa pintura me incomodava tanto que nossas conversas
fatalmente continuavam e acabavam sempre na
cozinha,à salvo daquela imagem tristonha.
Essa imagem continua me assombrando, ainda.
Cria em mim, sempre e imediatamente uma sensação
forte de angústia, de despedida...de adeus.
Escrevi esse texto do palhacinho num desses
momentos tristes de minha vida,
e foi intuitivo, ele me veio à cabeça de repente,
completo, inteiro.
Talvez Freud explicasse.
À propósito, de Fernando Pessoa, enviado por Dai:
"Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras
de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades
que insisto em dizer brincando...
Falei, muitas vezes, como um palhaço,
mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria"
É só.
Marco Angeli, março 2009
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ResponderExcluirSempre bom revisitar o RETRATOS DA VIDA e encontrar depoimentos feito esse que acabei de ler. Longe de mim querer entrar no mérito da questão...talvez apenas justificando algo tão simples que eu reconhecí assim que "batí o olho": VOCE, MARCO ANGELI É UM SER HUMANO INCRÍVEL, TALENTOSÍSSIMO, DE UM GRANDE CORAÇÃO, UM ARTISTA PLÁSTICO COMO POUCOS, ENFIM, UM GRANDE HOMEM!
ResponderExcluirMuito legal , mas este realmente é a imaginação do sentimento das lembranças do que se passa no coração de uma criança . Na minha casa tinha alguns destes palhaços chorando , minha tia e minha prima pintavam nesta época esta mesma imagem . Engraçado , mas eu tb não gostava destas imagens, tinha medo , mas acho que era moda ou então alguma escola de pintura ue influeciou no tema , palhaços que choram.
ResponderExcluirépoca ,ou então alguma escola de
Sempre existe uma ligação entre lembranças da infância e momentos dificeis e sofridos da vida adulta.É a hora da fuga para a inocência,para a fase alienada da vida,para os brinquedos companheiros...Bem no fundo,é a vontade secreta de arrancar partes indesejáveis de quem nos faz sofrer e reconstrui-las segundo nosso modelo...
ResponderExcluirMarco,vc enobrece a ARTE.Deleita nossos olhos,nosso coração,nossos sentidos!