domingo, 21 de outubro de 2007

NORMA ANGELI, 80 ANOS by Marco Angeli

Talvez esta seja a postagem mais significativa, mais
coerente com o conceito que eu quis dar à este blog quando
imaginava crônicas que contassem histórias, histórias que
contavam a vida das pessoas. Retratos da vida.
Esta é a história de uma vida. A de Norma Angeli,
que se mistura com o surgimento da publicidade como a
conhecemos em São Paulo, com a fundação da Editora Abril
e com a minha própria carreira profissional.
Norma é minha tia. Mas antes de ser minha tia é um personagem
com uma carreira profissional importante, impecável.
Norma nasceu no dia 17 de setembro de 1927.
Este texto é escrito hoje, quando ela completa exatos 80 anos.

Norma, retrato em papel Fabriano, aquarela, 50x60 cm. Presente.

Em 1950, fez alguns cursos técnicos e começou a trabalhar
como secretária. Era uma mulher bonita, inteligente, falante.
Usava luvinhas brancas para ir trabalhar, como uma artista de cinema.
E, principalmente, com uma personalidade forte, o que faria
toda a diferença nos anos seguintes.
Tinha o hábito de ler, lia de Sartre a Machado de Assis,
adorava cinema, teatro, cultura. Costume que a acompanhou
por toda a vida.
Durante sete anos trabalhou como secretária em
diversas companhias
de seguros, como a Minas Brasil, Internacional de Seguros
e Boa Vista. Perto de 1957 começa o trabalho que
marcaria sua carreira, entrando na Editora
Brasil Gráfico como correspondente, secretária e
revisora, ao lado de Juliano Pozzi e Jerônimo Monteiro,
jornalista da Folha de São Paulo.

Em 1957, convidada por Terezinha Monteiro, faz um teste especialmente severo para trabalhar numa agência de
propaganda que mais tarde faria parte da então embrionária
editora Abril.
A agência era a Publicitária Paulista e o teste foi
feito com o rigoroso professor Arno, na Faculdade
de Filosofia de São Paulo. Passou e começou a trabalhar secretariando
o diretor da empresa, Paulo Paulista de Piratininga.
De 1957 à 1962 as coisas mudavam com rapidez.
A agência fechou, e Norma passou à secretária de
Luis Carta- irmão de Mino Carta- filhos do correspondente
internacional do jornal Estado de São Paulo.
Nesse momento surgia o embrião, com Victor Civita,
de uma nova editora, a Abril, em cinco andares
da Rua João Adolfo 118, esquina com a 9 de Julho,
em São Paulo.
Norma participava do novo projeto, chefiado pelo
Dr. Castro e Dr. Byrde, que haviam estudado engenharia
com Robert Civita nos Estados Unidos.
Trabalhando definitivamente com os Carta, ela
participava dos projetos das novas revistas da editora,
dirigida por Mino Carta. Eram os estudos para os
lançamentos de Cláudia, Quatro Rodas e Nova.
Na época não existia o departamento de tráfego, que
mais tarde faria parte de toda agência de
progaganda ou editora. O Tráfego seria, na prática,
a alma do fluxo de material dessas empresas, no futuro.

A editora crescia, e Norma foi chamada pelos
diretores administrativos, entre eles o
Dr. Giordano Rossi. Eles viam a necessidade de criar o
departamento na Editora, a ela era a
pessoa indicada para a coordenação e chefia.
À partir daí ela implanta e comanda o tráfego na Abril,
na época com alguns assistentes e 15 boys.
Em 1961, Victor Civita fica doente e vai fazer um
tratamento na Europa. Robert Civita, que poderia
substituí-lo, estava prestes a se casar e ir para a
Argentina. Mauro Mayer vem então às pressas do
Rio de Janeiro para substituir Victor Civita
temporáriamente. A Editora passa por um período
conturbado, e em 1 de novembro de 1962 Norma deixa a
empresa. Vai trabalhar imediatamente
na General Advertising, agência de publicidade recém formada
por três ex funcionários da
JW Thompson, José Martinez Zaragoza,
-mais tarde o Z da DPZ- Candido Mota Neto e José de Almeida.
Na General Norma assume outro departamento- numa
função quase inusitada para mulheres- a Mídia.
Existiam apenas outras duas mulheres em São Paulo
que tinham o mesmo cargo- Soninha, da Alcantara Machado,
e Arlete, da JS de Melo propaganda.
As três acabam sendo matéria da Gazeta, em entrevistas
sobre sua profissão e carreira, numa reportagem expressiva.
Norma permanece na General por três anos e meio.
No início de 1965 é convidada por um investidor,
Walter Mangione Nahas, para organizar e estabelecer uma
nova agência de publicidade, a Mundial Propaganda.

Na Mundial minha história e a da Norma se cruzam.
Eu tinha pouco mais de 15 anos e estudava pintura com o
artista plástico italiano Dante Embrione.
Norma conseguiu um estágio para mim, como
assistente de arte. A agência ficava no centro de São Paulo,
na rua Marconi, e eu adorava ir pra lá todas as tardes, de onibus.
Nessa época a agência tinha como principais clientes a Companhia
Terras do Morumbi e os Supermercados PegPag.

Os produtos do supermercado em promoção eram anunciados
nos jornais em anúncios de página inteira, e ilustrados
um a um, num processo chamado de foto-traço,
onde as ilustras eram feitas á nankim sobre papel Schoeller.
Fiquei maravilhado por aquilo tudo e tive minha primeira
ilustração publicada, um sabonete ou uma caixa de sabão em pó.

Em 1969 a Mundial fecha e Norma é convidada por
Paulina Kaz-que havia sido a coordenadora da campanha política e
assessora de Juscelino Kubistchek- para dirigir algumas publicações
da CAC, Companhia Agrícola de Cotia.
A principal publicação era Mundo Econômico,
dirigida então por Delfim Neto, que seria ministro no futuro.
Na sequência vai para a Editora Vecchi dirigir o
Departamento Comercial. A Vecchi era uma importante
editora da época, e publicava a revista Grand Hotel, que marcou
época...além de fotonovelas, e as revistas Figurino Moderno e
Figurino Noivas...

Lembro bem daquela época, todos os meses ela aparecia com
pilhas de revistas que distribuía para os amigos, parentes...
Eu curtia especialmente as fotonovelas, uma espécie de HQ
romântica com fotos, totalmente piradas, que tinham sempre
um final feliz e idiota. Acho que foram as precursoras das
telenovelas....Com pequenas variações, a mesma
porcaria que a Globo produz hoje...

Em 1972 Norma sai da Vecchi e vai dirigir o Departamento
Comercial da Editora Noticiário da Moda, de
Mario Ernesto Humberg. Além de Noticiário da Moda, eram
editadas Brazilian Shoes e Brazilian Fashion, para o mercado exterior. Na editora-além do departamento comercial-dirigia,
junto com Maria Helena Castilho, a produção, eventos e fotografia.

Nesse momento, nossas histórias novamente se cruzam,
dessa vez de forma definitiva para mim.
No final de 1973 eu trabalhava no ateliê do artista plástico
Fukuda, afilhado de Manabu Mabe. Começava a ter contato com
a arte japonesa, especialmente Tomie Otaka e seus abstratos.
Que eu adorava, e procurava compreender.
Havia trabalhado anteriormente com o ilustrador inglês
Nairo Lambert Watson e minha experiência estava centrada
quase que exclusivamente em arte.
A oportunidade que Norma me ofereceu então foi perfeita,
a de ser assistente do Lito, então diretor de Arte
das publicações da editora.
Foi uma experiência inesquecível.
Trabalhávamos numa casa fantástica na rua Candido Espinheira,
no Pacaembu, cheia de jaboticabeiras.
Eram uns quinze assistentes de arte num único salão, pranchetas
pra todo lado. Era uma zona, literalmente.
Eu desenhava caricaturas de todo mundo, e todos os dias
tinha uma balada qualquer, de segunda a segunda..
Não existia computador, na época, e as revistas eram feitas
literalmente à mão, coladas e pestapadas. Trabalhávamos no
meio de toneladas de papel, cola, sempre correndo contra o
tempo, como malucos, e felizes o tempo todo.
No início de 1975, a Editora Abril, interessada nas publicações,
comprou a editora de Mario Ernesto, e a festa acabou.
Mas as pessoas que conheci naquele salão, como Creston Portilho,
Leonel Kaz, Lito-com seu cabelo enorme sempre amarrado num coque- como se fosse o último dos samurais, a Verona...
estarão sempre com suas imagens gravadas em minha memória.

Norma trabalhou na editora até 1975, quando a Editora Abril
assumiu e, num remanejamento de pessoal, demitiu quase todos
os funcionários antigos.
Eu permaneci- agora trabalhando na editora Abril- e substituí
o Lito na direção de arte. Noticiário da Moda foi reformulada
totalmente sob a direção de Thomaz Souto Corrêa.
Criei um novo projeto de diagramação e redesenhei o logo,
numa versão mais clean, mais profissional.
Trabalhava com o Trípoli, Fernando Louza, Chico Aragão, Miro,
os melhores fotógrafos de São Paulo...
Essa experiência foi fundamental na minha própria vida
profissional, e durou quase três anos.
Em 1977 saí da Abril com mais dois colegas de trabalho,
o diretor comercial e um dos produtores, para montar nossa
própria agência de propaganda, voltada exclusivamente para
o mercado de moda. Foi a Lapix de Propaganda.
Durante alguns anos atendemos clientes como Trevira,
da Hoechst, Zoomp, Triton, Forum, Vila Romana, Ellus,
entre muitos.
Conversando com o Renato Kherlakian há tempos, lembramos
que o primeiro anúncio da Zoomp, em 1978,
foi criado por mim na Lapix. Bacana.

Noticiário, edição 199, de março de 1976: reformulada.

O expediente de 1976, onde a Abril insistia em chamar
o diretor de arte de 'chefe de arte'. Coisa de tribo, talvez...

Matéria, janeiro de 1976. Fotografada por Miro

Da época anterior à compra de Noticiário, Norma tem muitas
historias engraçadas. Histórias de assédio de diretores que
faziam com que ela tivesse pesadelos à noite, por exemplo, e
que não podem ser publicadas por razões óbvias.
Uma de suas histórias dessa época aconteceu com sua então
parceira Maria Helena Castilho, grande amiga e
colega de trabalho. Juntas, ela e Norma viajavam
constantemente para eventos, convenções...ou simplesmente para
a produção de matérias para essas revistas.
Numa dessas ocasiões, Maria Helena foi para o Rio de Janeiro
para cobrir um evento. Norma, com trabalho atrasado, ficou
na redação em São Paulo e seguiria para o Rio depois.
Algumas horas antes de seu vôo recebeu a notícia de que um
grande amigo das duas- dono de uma confecção que participava
desse mesmo evento- havia falecido insperadamente devido
à um ataque cardíaco.
Triste, ela embarca para o Rio em cima da hora, e chega
práticamente na abertura do evento.
Conta para sua parceira, recomendando discrição, o
acontecido com o amigo, que óbviamente não estaria presente.
Em alguns minutos o pessoal todo do evento- onde o falecido
era muito querido-já sabia de sua morte e o constrangimento
era geral...o tempo vai passando, e uma hora depois,
no meio do discurso de um dos participantes, entra pela
porta principal, atrasado...nada menos do que o morto.
O susto é geral e descobre-se, finalmente, que quem havia
realmente falecido era outra pessoa do ramo com nome parecido.
Norma conta rindo que o 'morto' ficou uns bons anos
sem falar sequer com ela por causa dessa história...
Maria Helena Castilho, a faladeira, é também uma personagem
linda, inesquecível. Nos tornamos amigos e alguns anos depois
ela desiste das editoras e no retorno de uma de suas viagens
à França, traz uma idéia completamente futurista e monta na
Bela Vista o Carbono 14, espécie de bar, boate e espaço cultural,
com quatro ou cinco andares, cheio de pinturas, esculturas,
histórias em quadrinhos e muita, muita música.
Foi fantástico, reunia sempre os artistas de vanguarda desses
anos...e como tudo que é bom, durou pouco...
Fechou em alguns meses.

Do Noticiário da Moda Norma foi para a Editora Avicultura
Brasileira, de Laurison Von Schmidt e Carlos Sodré Cardoso.
Como gerente geral, criou a publicação Avicultura Brasileira,
entre outras, e cuidou do contato comercial, atendendo
clientes como a Dow Chemical e laboratórios Roche.
Finalmente, seu último emprego oficial foi na William Editora,
como gerente geral. Desenhei nessa época para ela o logo
da Editora.
Em 1984 se aposentou e foi para os Estados Unidos e Canadá.

Não vejo diferença alguma hoje no espírito daquela tia Norma
que me ajudou quando eu tinha 16 anos e começava a
desenhar. A mesma risada franca, espalhafatosa, o mesmo
baton vermelho, a mesma vaidade, imortal.
O mesmo senso crítico agudo de sempre, voltado com
humor para tudo e todos...que não pertençam à família Angeli, claro.
Ela me diz que guarda, de todos esses anos de trabalho,
um orgulho grande por ter participado e quase sempre
ter seu trabalho reconhecido...
Conviveu profissionalmente e como amiga da maior parte de
seus colegas de trabalho, de pessoas como
Alex Periscinotto, da Alcantara Machado, de
Nizan Guanaes, na época da PA Nascimento, de Attilio Baschera,
o estilista...de muitos, muitos outros...
E o visível, em todas as suas conversas, suas histórias,
é o amor verdadeiro que teve por cada um deles,
por seu trabalho, ressaltando sempre e sempre as coisas
boas que aconteceram e rindo dos erros que ela ou eles
cometiam pelo caminho...

Norma, no dia de seu aniversário de 80 anos, no centro.
Angeli, o cartunista, eu mesmo, Milton, Rosana, Mariangela: sobrinhos.
A foto é de Tchuka Ferraz, me ajudando como sempre.

Hoje, ela escreve à mão a história da família desde sua
origem na Itália. Escrever, contar histórias...um trabalho
feito sob medida pra quem, como ela, leu a vida toda,
sem parar...
E que tem a sua própria história incluída aí, no livro da vida
desses italianos todos...incluída com mérito,
um mérito todo seu, todo especial...escrito durante
todos esses anos...

Marco Angeli, outubro de 2007

2 comentários:

  1. Nunca havia parado pra analisar a ferramenta conveniente que vem á ser um blog, nunca até esse exato momento, momento este que me concedeu uma verdadeira motivação, e mais do que isso, um novo e “verdadeiro amor”, se tratando da vida num contexto profissional.
    O melhor mesmo, é poder manifestar isso aqui.
    Maravilhada, Boc’aberta e consequentemente inspirada, assim eu fiquei e estou após receber assim de mão beijada uma lição de vida em plena tarde chuvosa de uma quinta-feira.
    Norma Angeli, sinônimo de Inteligência e dona de uma personalidade, estruturada e invejável, característica, essa, perceptível, no retrato fixado na postagem.
    Sua trajetória é um verdadeiro, curso técnico dividido em “80” módulos, que certamente capacita e estimula á qualquer um para o “mercado da vida”.
    Eu, claro, me tornei uma vitima disso!
    Audaciosa Norma Angeli, essa é a definição, trasmitida no texto, por (Marco Angeli), que pra variar, pode beneficiar a todos que passam por aqui com esse tesouro.
    Parabéns Atriz por sua real e magnífica história.
    Parabéns Autor, por “causar um efeito super especial”, com histórias que realmente valem à pena.

    Luana Aleixo. 08/11/2007

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  2. Nossa! vc me trouxe boas lembrancas hahahah sou o theo castilho filho da maria helena . Manda um abrax pro angeli ! ah o carbono durou cinco anos e nao alguns meses hahahah fechamos pois na epoca nao existia patrocinio cultural ..era tudo na raca mesmo ! valeu se quizer ver meu trampo ..entra no myspace .ou goglee !

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