quinta-feira, 1 de outubro de 2009

SAWABONA/SHIKOBA by Marco Angeli


A vida parece andar em círculos.
Lembro claramente de um texto que li no jornal O Globo,
dentro de um avião, voltando de um lugar qualquer,
aborrecido como sempre dentro de aviões...
O texto era de um psicanalista, e abordava de forma
criativa as relações entre homens e mulheres.
Eu acabava de me separar, e aqui no Brasil iria enfrentar
novamente esse dilema, o de me envolver novamente ou não,
então pensava muito nisso, e procurava uma
resposta convincente pra muita coisa...
O texto defendia o fim do romantismo que durante séculos
havia regido as relações entre homens e mulheres.
Mostrava uma visão muito mais prática e realista
para uma questão que é polêmica, no mínimo.
A do amor.



O autor do artigo -cujo nome infelizmente já não lembro-
defendia com veemência que já não havia espaço para
o romantismo como o conhecemos no mundo em que
vivemos e que se transformaria cada vez mais e mais -num
futuro previsível...
Pois é,o futuro chegou, de forma surpreendente, anos depois
daquele texto no avião...e é mais espantoso do
qualquer um de nós poderia prever...
Hoje, constato que acabei vivendo e vivo, não exatamente por
opção, mas por aprendizado mesmo -que nem sempre
foi fácil ou indolor- a íntegra do que aquele texto
profetizava. E que hoje, anos depois, reconheço no texto
que acabo de receber de minha amiga Silvana Spinelli,
de autoria do psicanalista Flavio Gikovate.
De certa forma ele vem de encontro às reflexões
textos de Mônica Comenale, uma mulher excepcional
que tenho a sorte de ter ao meu lado.

Aí está, pensem:  

SAWABONA/SHIKOBA 

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o inicio
deste milênio.
As relações afetivas também estão passando por profundas
transformações e revolucionando o conceito de amor.



O que se busca hoje é uma relação compatível
com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito,
alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de
dependência em que um responsabiliza o outro
pelo seu bem-estar.
A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade,
que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste
início de século. 
O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e
precisamos encontrar nossa outra metade para nos
sentirmos completos.



Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que,
históricamente, tem atingido mais a mulher.
Ela abandona suas características para se amalgamar ao projeto masculino.
 A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o 
outro tem que saber fazer o que eu não sei.
Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante.  
Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal.
A palavra de ordem deste século é parceria.
Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo.
Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que
é muito diferente.
Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual,
as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sózinhas, e
aprendendo a conviver melhor consigo mesmas.
Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas
são inteiras.



O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente
uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma.
É apenas um companheiro de viagem.
O homem é um animal que vai mudando o mundo e depois
tem que ir se reciclando para se adaptar ao
mundo que fabricou.
Estamos entrando na era da individualidade, o que não tem
nada a ver com egoísmo.
O egoísta não tem energia própria, ele se alimenta da energia
que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova
feição e significado.
Visa a aproximação de dois inteiros e não a união
de duas metades.
E ela só é possível para aqueles que conseguem trabalhar
sua individualidade.



Quanto mais o indivíduo for competente para viver sózinho, mais
preparado estará para uma boa relação afetiva.
A solidão é boa, ficar sózinho não é vergonhoso.
Ao contrário, dá dignidade à pessoa.
As boas relações afetivas são ótimas, são muito parecidas com
o ficar sózinho, ninguém exige nada de ninguém,
e ambos crescem.
Relações de dominaçção e de concessões exageradas são
coisas do século passado.
Cada cérebro é único.
Nosso modo de pensar e agir não serve de referência para
avaliar ninguém.
Muitas vezes pensamos que o outro é nossa alma gêmea e,
na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.
Todas as pessoas deveriam ficar sózinhas de vez em quando,
para estabelecer um diálogo interno
e descobrir sua força pessoal.
Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito
só podem ser encontradas dentro dele mesmo e não
à partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo
quanto ás diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.
O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. 


Fiz esta ilustração originalmente para o Unicard, em 2001
Airbrush, digital

Nesse tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia
e o respeito pelo ser amado.Nem sempre é suficiente
 ser perdoado por alguém.
Algumas vezes temos que aprender a perdoar a nós mesmos.

SAWABONA é um cumprimento usado no sul da África
e significa:
'Eu te respeito, eu te valorizo, você é importante para mim.'
Em resposta, as pessoas dizem SHIKOBA, que significa:
'Então eu existo para você.'


Texto de Flavio Gikovate, médico psicanalista

É isso, quem viver verá.


Marco Angeli, outubro de 2009, thinking about



3 comentários:

  1. Este texto me fez pensar numa frase que reflete um pouco o caminho proposto pelo psicanalista Flavio Gikovate. "Eu gosto de voce, não preciso de voce."
    Gostar por gostar. Gostar sem impor qualquer condição. Sem apego. Cada um respeitando a individualidade do outro, sem colocar regras....o amor acontecerá quando menos se espera...chegará de mansinho...será intenso!

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