sábado, 10 de outubro de 2009

BLADE RUNNER, LOVE THEME by Marco Angeli


Coloquei ontem no Facebook o vídeo Love Theme, do filme
Blade Runner, com o comentário de que essa música, para mim
especialmente, tem um significado forte,
 e marcou um momento inesquecível...
Isso despertou imediatamente os cromossomos XX de algumas
amigas e tive que prometer que contaria a histórinha.
Então, especialmente para a Silvana Spinelli, Monica Figueiredo,
Livia Borges Goldwyn (assumidamente romântica),
Roberta Toneto, Sissy Mazzucatto, Rosa Cardoso, Elisa Toneto,
e a Anna No More, aí vai esse momento:

Num sábado à noite, garoento, como alguns de São Paulo,
lá pelo ano de 90, 91, eu havia marcado com alguns amigos para
ir jantar no Ritz (a Silvana conhece bem...), um costume entre nós,
que acabava sempre ou passava sempre pelo Baguette do
João Pedro, lá no final da Consolação -quase Paulista.
Entre eles meu grande amigo, o artista plástico Herton Roitmann,
ex-diretor do Grupo de Teatro do Itaú.
Através do Herton, que era muito ligado à vida musical da cidade, eu
havia conhecido Vanderléa, Wilson Simonal, Agnaldo Raiol, Martinha,
Eduardo Araújo e a Silvinha...o pessoal da Jovem Guarda, lembram?
O ateliê e a casa do Herton nessa época eram na
Rua Pe. João Manuel, à pouca distãncia de minha casa.
Eu me preparava para sair
quando ele me ligou avisando que se eu pudesse, me apressasse.
Uma cantora, sua amiga, estava indo
para o próprio show, quando seu carro quebrou...
E que ele gostaria de levá-la, e já que eu estaria por alí,
se eu poderia fazer isso...
Mas eu precisaria estar lá na hora, pois senão o show atrasaria,
era solo... e ela era a estrela.



Eu confirmei tranquilamente, disse a ele que dava tempo tranquilo.
Mas, como meu nome é Marco Angeli, tenho uma noção de tempo
e distâncias sempre otimista demais, sagitariana demais.
Fui e acho que parei pra tomar café, ou qualquer coisa do tipo,
não lembro -sei que atrasei uns minutos, poucos, mas...
Quando cheguei no prédiozinho onde o Herton tinha seu ateliê,
ele e mais dois amigos entraram em polvorosa em meu carro,
e o Herton -normalmente controlado- bradou:
-Corre, cara, ela tá furiosa, já me ligou umas trinta vezes, disse
que vai perder o show por minha causa e do meu amigo tonto!!!!!
O amigo tonto, claro, era eu.
E lá fomos nós correndo para a casa dela,
 que por felicidade era alí pertinho.
Lembro dessa primeira vez em que vi NC*, bonita,
imponente e irada, em plena calçada, ansiosa e superior.
O Herton quase pulou do carro andando para chamá-la.Ela
sentou em silêncio ao meu lado e respondeu com o boa noite
mais seco e sem qualquer inflexão que eu já havia recebido em toda
a minha vida. Minha ficha caiu.
Fui dirigindo para o endereço do show, e se eu pudesse me enfiaria
debaixo do banco, se o carro não fosse meu e se não fosse
eu mesmo que estivesse dirigindo.
Não sabia se ia depressinha, maneiro, ou se detonava, em vista das
circunstâncias, o que poderia piorar considerávelmente as coisas,
já que ela provávelmente se descabelaria toda,
e aí seria a ruína total.
Enquanto eu fazia o possível e rezava pra chegar pouco atrasado
com a estrela do show, um silêncio sepulcral dentro do carro,
como diria a Silvana brilhantemente.
Ninguém falava, todo mundo respirava baixinho.
E ela alí, ao meu lado, impassível e furiosa.
Desesperado, liguei o som, pra diminuir aquele silêncio asfixiante.



No ar, baixinho, suavemente...o love theme do Blade Runner.
Comentei, já quase chegando:
-Nossa, adoro essa música...o filme...é lindo, não é?
Silêncio. Nenhuma resposta.
Nem de meus amigos, eles não se atreviam a abrir a boca.
Chegamos e ela desceu da mesma forma imponente e furiosa que
havia entrado. Apenas um obrigado murmurado e correu
pro camarim, reclamando que já não daria tempo de
se preparar.
Entramos, tudo lotado.
 Era uma casa de shows com um palco no centro,
centenas de pessoas à volta. Fomos para a primeira fila,
nos lugares reservados para nós. Fui indeciso, mortificado.
O show já estava atrasado alguns minutos, e eu pensava em
todas aquelas pessoas alí, esperando.
E se eles imaginavam que eu era o culpado pelo atraso.
As luzes se apagam. Um spot ilumina sómente o centro do palco.
Apenas um piano.
NC entra calmamente, com aquela majestade que quem já viu
conhece bem. Pede desculpas pelo atraso.
Nesse momento, alí na primeira fila,
penso em levantar e me mandar.
Sou perigoso nesses momentos porque costumo fazer
exatamente o que penso. Nesse dia, talvez por estar alí,
bem na frente dela, e pelo meu amigo...não fiz isso, felizmente.
Ela se senta ao piano suspira, e diz:
-Vou dedicar esta primeira música...à um amigo, muito gentil...
porque sei que ele gosta muito dela...
Virou pra mim, um breve olhar,
 e seus dedos encostaram nas teclas do piano.
Alí, no ar...os primeiros acordes do Love Theme, Blade Runner.
Meus amigos, ao meu lado, fizeram a conexão imediatamente,
e se viraram para mim, espantados.
E eu alí, embevecido, um sorriso idiota cravado na cara.
Ela emenda, não sei como...para o One More Kiss, Dear...



E aquele sorriso idiota se eternizou definitivamente em minha
cara, até o final de seu show, até a última música...

Naqueles dias, eu ainda estava longe de assumir, compreender ou
viver integralmente essa emoção que hoje me coloca diante de
uma tela branca e me faz pintá-la...com o que eu acredito.
Hoje, muito tempo depois, sou capaz de compreender melhor que
a emoção, a comunicação, num artista...está sempre e sempre
naquilo que ele sabe fazer: sua própria arte.

Blade Runner é um cult movie, especial não só pela fotografia
genial, pelo tema, ou pela música maravilhosa do Vangelis.
É um desses filmes que fazem a história do cinema e infuencia
toda uma geração de cineastas.
Nessa época andei por aí quase um ano com o cabelo descolorido,
quase branco, uma façanha naqueles dias...inspirado no
personagem do Rutger Hauer.


Bom, espero que as meninas dos cromossomos XX tenham
gostado da histórinha.Foi realmente um momento inesquecível.

*Não coloquei o nome dela por razões óbvias, ela
provávelmente ficaria mais brava ainda, mesmo hoje...eheh.


Marco Angeli, outubro de 2009

3 comentários:

  1. Isso não é tarefa para qualquer um, não!
    Entre outras coisas, voce é um profundo conhecedor da alma feminina!

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  2. oi, Angeli, seu trabalho é o máximo, adoro!

    meu nome é Ricardo, sou amigo da Ruth Vasconcelos, ela me passou seu endereço. Cara, vce tem "a mão" abençoada!

    sou ilustrador: quando puder, de uma olhada no meu trabalho: www.cammarota.com.br gosto de trocar figuras!

    superabraço e PARABENS!!!!!

    rica

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  3. Cara nem me fale desse filme,assisti a primeira vez aos 11 anos.Isso marcou minha vida para sempre!

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